Quem tem medo de ler poesia?

Por Alexandre Azevedo - 19 jun 2019 - 4 min

No Brasil, o gênero literário menos vendido é o poema. Quando uma obra de poesia alcança a sua segunda edição, ela já pode ser considerada um best-seller! Infelizmente é assim… O que mantém os nossos grandes poetas em evidência são as listas dos vestibulares. Se não fossem elas, os poemas estariam mofando nas prateleiras de nossas livrarias. Poucos também são os editores que investem em jovens poetas. Se já é difícil vender os consagrados, imaginem só os novatos!

Quando uma editora publica uma obra de um jovem poeta, há que se considerar esse editor um herói (para muitos, não passa de um louco ou de um idealista, um verdadeiro Dom Quixote das letras!). Talvez, por isso, o brasileiro não seja um leitor de poemas.

 

A poesia é a “menina dos olhos da literatura” e, sem ela, o que seria da literatura?

 

Para muitos especialistas, a poesia é a “menina dos olhos da literatura” e, sem ela, o que seria da literatura? Já pensou a literatura de língua portuguesa  sem um Gregório de Matos , sem um Bocage, sem um Tomás Antônio Gonzaga, sem um Almeida Garrett, sem um Castro Alves,  sem um Olavo Bilac,  sem um Fernando Pessoa, sem um Manuel Bandeira,  sem uma Cecília Meireles, sem uma Ana Cristina Cesar ou sem uma Henriqueta Lisboa? Não consigo nem imaginar!

Mas, voltemos à questão da leitura: ler poesia requer algo a mais, pois não é fácil “entender” o que o poeta quis dizer, já que a poesia é, de certa maneira, a expressão dos seus sentimentos e, lógico, o leitor não estava ao lado do poeta quando ele escreveu aquela poesia para saber o que realmente ele estava sentindo, não é mesmo?

Mas isso não é motivo para não ler poesia. Quanto mais você as ler, mais requintada será a sua interpretação! E não se preocupe se a interpretação da poesia que você acabou de ler for diferente da interpretação de um outro leitor. Aí está a magia de um texto poético: a diversidade de interpretações!

 

Por que não lemos poesia?

Um dos maiores poetas contemporâneos do Brasil, Manoel de Barros (1916-2014) disse, com muita propriedade: “a poesia não é para compreender, mas para incorporar”. Em nossas escolas, há uma espécie de supervalorização da prosa em detrimento da poesia. Nas atividades de redação/produção de texto, geralmente o texto a ser elaborado é em prosa.

Mas um aluno não pode – citando as três categorias mais comuns de uma redação – dissertar, descrever ou narrar em verso? É claro que pode! Nada o impede disso. Entretanto, ao se deparar com o Enem e com os vestibulares, estará na prova de redação um recadinho: “Faça a sua redação em prosa”. Portanto, não é possível  redigir o texto em verso, é expressamente proibido.

Talvez, por isso, a poesia seja menos “consumida” por nós. Será? Você, leitor, pense comigo. Por que você acha que não lemos tanta poesia?

E quando o aluno chega para fazer o seu vestibular, encontrará nas famigeradas listas de obras obrigatórias uma quantidade maior de textos em prosa (romances e contos, principalmente) e um número reduzidíssimo de textos em verso (um livro, dois no máximo). Citando aqui Caetano Veloso (1942), autor da maravilhosa “Língua”, E sei que a poesia está para a prosa / Assim como o amor está para a amizade / E quem há de negar que esta lhe é superior?. Será, então, que o brasileiro tem medo de ler poesia?

Talvez. Talvez tenha medo de não interpretar de maneira coerente, como já foi discutido  aqui, o que o poeta desejou passar. Esse medo só vai passar se deixar esse pensamento de lado.

Não é raro um poeta se espantar ao ver uma interpretação que jamais havia passado por sua cabeça e dizer para si: “não é que isso também faz sentido?”. Poesia, definitivamente, não é nenhum bicho de sete cabeças. Que tal pensar que a poesia seja, sim, um bicho, mas um bicho de sete interpretações ou mesmo de… infinitos significados?!

Alexandre Azevedo

Alexandre Azevedo é professor de literatura e escritor. Autor de mais de 120 obras. Já publicou, entre outros, Que azar, Godofredo! (Atual), O vendedor de queijos e outra crônicas (Atual), Três casamentos (Atual), Poeminhas fenomenais (Atual), O menino que contava estrelas (Atual), A lua e a bola (Formato) e A última flor de abril (Saraiva).

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