Edy Lima: uma homenagem póstuma

Por Juliana Muscovick - 03 maio 2021 - 9 min

Nascida em Bagé (RS) em 1924, Edy Lima foi jornalista, escritora, dramaturga e autora de mais de cinquenta livros, muitos deles inspirados no folclore brasileiro, sendo o mais famoso o clássico infantojuvenil A vaca voadora, primeiro de uma série de sete livros. Seus livros já foram vertidos para o espanhol, italiano e catalão. Também foi editora e produtora de discos para crianças e autora de novelas para TV.

Iniciou sua carreira com a publicação de um conto na Revista do Globo, quando tinha apenas 19 anos. Aproveitou a oportunidade para pedir emprego na revista, pois encontrou aí a chance de se sustentar e ir morar em Porto Alegre, pois queria sua autonomia e sempre acreditou na independência das mulheres. Aos 20 anos, encorajada por Monteiro Lobato, Edy Lima mudou-se para São Paulo, onde deslanchou sua carreira e sobressaiu-se como uma das poucas mulheres em um ramo predominantemente masculino, como era o do jornalismo na época.

Trabalhou nos extintos Jornal de São Paulo Diários Associados, onde era editora de um caderno feminino. Em lugar de publicar frivolidades, como era praxe, procurava driblar as orientações da época publicando matérias que pudessem alargar os horizontes do universo das mulheres. Essa força está presente em sua obra por meio da construção de personagens femininas fortes, emancipadas, protagonistas da própria vida.

Como autora de teatro, Edy Lima notabilizou-se pela peça A farsa da esposa perfeita, que escreveu quando integrava o Teatro de Arena. A peça teve diversas montagens e foi dirigida por nomes como Augusto Boal, em 1959, Mario de Almeida, em 1960, José Pimentel, em 1961, pelo Grupo de Teatro Independente, em 1966, e por Fernando Peixoto, em 1993.

Edy Lima foi laureada com diversos prêmios, como o Jabuti, o Prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) e o do Serviço Nacional de Teatro, entre outros. Deixa um casal de filhos, dois netos, uma neta e dois bisnetos. Era a mulher mais velha do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo e, apesar dos quase 100 anos de idade, nunca parou de contribuir com a arte brasileira. Faleceu em maio de 2021.

Dedicou seus últimos anos de vida a escrever livros para crianças e adolescentes, sendo sua última obra publicada a adaptação teatral de Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus, lançada pela SOMOS Educação no final de 2020. Para homenageá-la, o Coletivo Leitor traz uma entrevista concedida pela autora, que fala sobre o livro, a relação com Carolina Maria de Jesus e sua amizade com a atriz Ruth de Souza, que interpretou Carolina em sua peça.

Coletivo Leitor: Além de Quarto de despejo, você adaptou outros textos literários para o teatro?

Edy Lima: Não, sendo que eu escrevi várias peças literárias. Uma delas, A farsa da esposa perfeita, foi montada com muito sucesso no Teatro de Arena em São Paulo, que na ocasião montava peças brasileiras e, ao mesmo tempo, ganhei com ele o Prêmio do Serviço Nacional de Teatro como melhor texto do ano.

CL: Por que você escolheu adaptar Quarto de despejo para o teatro?

Edy Lima: Eu e a Ruth de Souza éramos amigas há muitos anos. Inclusive, ela já tinha sido madrinha do meu filho mais velho. Gostei muito de Quarto de despejo e ela também. Uma vez estávamos conversando a respeito da nossa leitura e eu disse: “O que você acha se eu o adaptar para o teatro e você fizer o papel da Carolina?”. Ela gostou muito da minha ideia e foi assim que nasceu o Quarto de despejo no teatro.

CL: Como era a sua relação com a autora Carolina Maria de Jesus?

Edy Lima: Eu não conhecia a Carolina Maria de Jesus, nos conhecemos justamente através do meu trabalho e aí nos encontramos muitas vezes, nos demos bem. Ela sempre me acolheu e eu também. Sentíamos alegria em nos ver, o que acontecia com certa frequência, porque eu trabalhava nos Diários Associados e ela ia até o mesmo prédio para falar com Audálio Dantas. Em uma ocasião, ela me convidou para jantar em sua casa e eu conheci as crianças também.

CL: Sua peça teve como protagonista a atriz Ruth de Souza, que ficou reconhecida como a primeira mulher negra a construir uma carreira no teatro, no cinema e na televisão no Brasil. Como foi a escolha da atriz para essa peça?

Edy Lima: A peça foi escrita para Ruth de Souza, como comentei anteriormente. Acho que realmente ela era a melhor atriz, branca ou negra, da época.

CL: Carolina disse que ficou emocionada ao assistir a um dos ensaios da peça, pois ali ela estava vendo uma cópia fiel de sua vida. E para você, qual foi o sentimento de ver a peça pronta, com a autora na plateia?

Edy Lima: Eu acho que é sempre emocionante ver uma autora como Carolina Maria de Jesus assistindo à minha adaptação da própria vida dela. É essa a emoção.

CL: Você tem alguma curiosidade sobre a Carolina Maria de Jesus para nos contar?

Edy Lima: Em uma ocasião, Carolina convidou a mim e a várias pessoas do teatro para jantarmos na casa dela. Ela me ofereceu cerveja e eu expliquei para ela que não bebia álcool. E ela veio me dizer: “Aqui não tem nenhum refrigerante, você me desculpa, eu mando buscar porque eu tô apenas debutando”. Eu acho muito engraçado ela dizer que estava debutando.

CL: E sobre a atriz Ruth de Souza, você tem alguma curiosidade para contar pra gente?

Edy Lima: A Ruth era uma amiga íntima, o que já rendia muitas coisas sem dúvida nenhuma, mas a gente vai se habituando no dia a dia. Não me lembro de uma coisa específica para contar sobre ela, a não ser a bela pessoa que ela era.

CL: Mesmo sendo silenciadas e invisibilizadas durante séculos, cá estão as mulheres produzindo, escrevendo e se fazendo mostrar nos mais diversos ramos das artes, como você, Carolina e Ruth de Souza. Você acha que a sua história de vida é espelhada em suas obras?

Edy Lima: Eu acho que todo autor se retrata um pouco. A linha é tão de leve, é um tracinho quase invisível que a gente não pode dizer quando alguma coisa é biográfica. As coisas são o que a gente vive, não são? Não tem outras. Essas são as que a gente escreve. Claro que, no caso da Carolina, ela estava escrevendo sobre um assunto completamente distante da minha vida, a não ser essa coragem que ela tinha e o amor pelos filhos.

A seguir os livros de Edy Lima que fazem parte de nosso catálogo! Vamos conferir?

Quarto de despejo: Teatro – Baseado no diário de Carolina Maria de Jesus, de Edy Lima

Baseado no livro Quarto de despejo: diário de uma favelada, de Carolina Maria de Jesus, este drama teatral conta a história do cotidiano triste e cruel de uma mulher que sobrevive como catadora de papel e faz de tudo para espantar a fome e criar seus filhos na favela do Canindé, em São Paulo.

Em meio a um ambiente de extrema pobreza e desigualdade de classe, de gênero e de raça, ao longo das cenas nos deparamos com o duro dia a dia de quem não tem amanhã, mas que ainda sim resiste diante da miséria, da violência e da fome.

A primeira publicação de Quarto de despejo: diário de uma favelada, de Carolina Maria de Jesus, data de 1960, por isso, em 2020, quando se comemoram os 60 anos de sua existência, a SOMOS Educação fez uma edição especial desta que é uma obra muito importante para a literatura brasileira, aproveitando o ensejo para lançar esta adaptação do livro para o teatro, de Edy Lima, que foi encenada pela primeira vez em São Paulo, em 1961.

Além do texto da peça e da ilustração de capa feita pelo artista No Martins, esta obra conta com um texto de apresentação de Amir Haddad, que dirigiu Quarto de despejo na montagem de 1961, outro de Edy Lima, e o manuscrito de Carolina Maria de Jesus sobre a adaptação de seu livro ao teatro.

As aventuras de Tom Sawyer, de Mark Twain e tradução e adaptação de Edy Lima 

Tom Sawyer é um menino inteligente e aventureiro que mora no Missouri, no sul dos Estados Unidos, com a tia e o irmão. Em companhia de seu amigo Huckleberry Finn, ele vive grandes aventuras. Mas o maior desafio para os dois meninos é impedir que Muff Porter seja condenado por um crime que não cometeu.

O guarani, de José de Alencar e adaptação de Edy Lima

Apaixonado pela jovem branca Ceci, o valente índio Peri não medirá esforços para proteger a moça e a família Mariz de todos os perigos. Uma história de amor, coragem e traição.

Os miseráveis, de Victor Hugo e adaptação de Edy Lima

O jovem Jean Valjean é condenado a 19 anos de prisão por roubar um pão. Ao deixar o cárcere, adota outra identidade e transforma-se em um próspero empresário. Perseguido por Javert, um obsessivo inspetor, ele é obrigado a revelar seu nome verdadeiro e é preso novamente. Jean Valjean conseguirá escapar desta vez?

Opiniões irreverentes, de Edy Lima

O livro traz oito histórias com as opiniões bem-humoradas de uma criança sobre temas como família, escola, pátria, comportamento, índios, animais e outras questões de relevância social.


Juliana Muscovick

Juliana Muscovick é editora do Departamento de Literatura Infantojuvenil da SOMOS Educação. Formada em Letras, História e com especialização em jornalismo, trabalha na área editorial desde 2010 e sempre se aventurou pelos caminhos das letras, da cultura, da educação e das artes.

Mais posts do mesmo autor