ENTREVISTA: EDY LIMA E A ADAPTAÇÃO TEATRAL DE QUARTO DE DESPEJO

Por Coletivo Leitor - 24 fev 2021 - 5 min

Quarto de despejo completou seis décadas de existência em 2020. Alvo de muitas pesquisas acadêmicas, a obra tem feito parte da lista de leituras obrigatórias de importantes vestibulares de todo o Brasil.

Originalmente publicado em 1960, o livro ganhou uma adaptação teatral escrita por Edy Lima subiu aos palcos no início da mesma década. Agora, em edição inédita, a peça baseada na obra-prima de Carolina Maria de Jesus chega às livrarias.

A convite do Coletivo Leitor, Edy Lima concedeu entrevista exclusiva sobre Quarto de despejo, a relação com Carolina Maria de Jesus e sua amizade com a atriz Ruth de Souza, que interpretou Carolina em sua peça.

Coletivo Leitor: Além de Quarto de despejo, você adaptou outros textos literários para o teatro?

Edy Lima: Não, sendo que eu escrevi várias peças literárias. Uma delas, “A farsa da esposa perfeita”, foi montada com muito sucesso no Teatro de Arena em São Paulo, que na ocasião montava peças brasileiras e, ao mesmo tempo, ganhei com ele o Prêmio do Serviço Nacional de Teatro como melhor texto do ano.

CL: Por que você escolheu adaptar Quarto de despejo para o teatro?

Edy Lima: Eu e a Ruth de Souza éramos amigas há muitos anos. Inclusive, ela já tinha sido madrinha do meu filho mais velho. Gostei muito de Quarto de despejo e ela também. Uma vez estávamos conversando a respeito da nossa leitura e eu disse: “O que você acha se eu o adaptar para o teatro e você fizer o papel da Carolina?”. Ela gostou muito da minha ideia e foi assim que nasceu o Quarto de despejo no teatro.

CL: Como era a sua relação com a autora Carolina Maria de Jesus?

Edy Lima: Eu não conhecia a Carolina Maria de Jesus, nos conhecemos justamente através do meu trabalho e aí nos encontramos muitas vezes, nos demos bem. Ela sempre me acolheu e eu também. Sentíamos alegria em nos ver, o que acontecia com certa frequência, porque eu trabalhava nos Diários Associados e ela ia até o mesmo prédio para falar com Audálio Dantas. Em uma ocasião, ela me convidou para jantar em sua casa e eu conheci as crianças também.

CL: Sua peça teve como protagonista a atriz Ruth de Souza, que ficou reconhecida como a primeira mulher negra a construir uma carreira no teatro, no cinema e na televisão no Brasil. Como foi a escolha da atriz para essa peça?

Edy Lima: A peça foi escrita para Ruth de Souza, como comentei anteriormente. Acho que realmente ela era a melhor atriz, branca ou negra, da época.

CL: Carolina disse que ficou emocionada ao assistir a um dos ensaios da peça, pois ali ela estava vendo uma cópia fiel de sua vida. E para você, qual foi o sentimento de ver a peça pronta, com a autora na plateia?

Edy Lima: Eu acho que é sempre emocionante ver uma autora como Carolina Maria de Jesus assistindo à minha adaptação da própria vida dela. É essa a emoção.

CL: Você tem alguma curiosidade sobre a Carolina Maria de Jesus para nos contar?

Edy Lima: Em uma ocasião, Carolina convidou a mim e a várias pessoas do teatro para jantarmos na casa dela. Ela me ofereceu cerveja e eu expliquei para ela que não bebia álcool. E ela veio me dizer: “Aqui não tem nenhum refrigerante, você me desculpa, eu mando buscar porque eu tô apenas debutando”. Eu acho muito engraçado ela dizer que estava debutando.

CL: E sobre a atriz Ruth de Souza, você tem alguma curiosidade para contar pra gente?

Edy Lima: A Ruth era uma amiga íntima, o que já rendia muitas coisas sem dúvida nenhuma, mas a gente vai se habituando no dia a dia. Não me lembro de uma coisa específica para contar sobre ela, a não ser a bela pessoa que ela era.

CL: Mesmo sendo silenciadas e invisibilizadas durante séculos, cá estão as mulheres produzindo, escrevendo e se fazendo mostrar nos mais diversos ramos das artes, como você, Carolina e Ruth de Souza. Você acha que a sua história de vida é espelhada em suas obras?

Edy Lima: Eu acho que todo autor se retrata um pouco. A linha é tão de leve, é um tracinho quase invisível que a gente não pode dizer quando alguma coisa é biográfica. As coisas são o que a gente vive, não são? Não tem outras. Essas são as que a gente escreve. Claro que, no caso da Carolina, ela estava escrevendo sobre um assunto completamente distante da minha vida, a não ser essa coragem que ela tinha e o amor pelos filhos.

Edy Lima é jornalista, escritora, dramaturga e autora de mais de cinquenta livros, muitos deles inspirados no folclore brasileiro, sendo o mais famoso o clássico infantojuvenil A vaca voadora, primeiro de uma série de sete livros. Seus livros já foram vertidos para o espanhol, italiano e catalão. Também já foi editora e produtora de discos para crianças e autora de novelas para TV.