São Paulo e seus escritores

Por Coletivo Leitor - 22 jan 2020 - 6 min

No dia 25 de janeiro a cidade de São Paulo comemora 466 anos de existência a contar da primeira missa celebrada em 1554 pelos padres da Companhia de Jesus, no que viria a ser o Colégio de Piratininga e, mais tarde, a Vila de São Paulo dos Campos de Piratininga.

A escolha da data, 25 de janeiro, relaciona-se a razões místicas do momento de fundação de São Paulo, inicialmente escolhida para ser “um centro espiritual de catequese e de divulgação da fé crística no Novo Mundo”, como explica Luis Augusto Bicalho Kehl em Simbolismo e profecia na fundação de São Paulo: a Casa de Piratininga (São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2005, p. 106). Considerando tal propósito, a fundação se deu no dia da conversão do apóstolo Paulo. Como ele, que abandonou a pregação aos judeus para se voltar aos povos pagãos, o padre jesuíta Manuel da Nóbrega quis se dedicar à conversão dos gentios: “Já cansamos de chamar, já os haviam de ouvir, dos cristãos, nos têm ouvido, não nos resta mais do que a gentilidade.” (Carta do padre Nóbrega ao padre Luís da Câmara, Lisboa; São Vicente, último de agosto de 1553. Apud Kehl, op. cit, p. 107).

Data e local da fundação (o sítio de Piratininga era ponto de confluência de diversas nações indígenas) relacionavam-se, portanto, ao propósito de converter os índios. Vale lembrar, contudo, que a missa no colégio não foi a primeira a se realizar no planalto paulista, pois desde quatro anos antes o padre Leonardo Nunes vinha visitando a região e Nóbrega, desde 1553, tendo ambos realizado cerimônias.

Muito tempo se passou para que o colégio jesuíta se transformasse em frenética megalópole, já no século XX, com o progresso econômico trazido pelo café, a chegada de imigrantes e a industrialização. Ainda assim, ao longo desse processo a cidade atraiu diversas vezes a atenção de escritores, sobretudo após a Semana de Arte Moderna. Dos poemas de Oswald e Mário de Andrade, nos anos 1920, celebrando a vertigem modernizadora, aos romances de feição mais experimental (como o Parque Industrial de Patrícia Galvão) ou tradicional (como o Éramos seis, de Maria José Dupré) até as aspirações de vanguarda dos anos 1950 e 60 (como o Concretismo e a Poesia Práxis), que influenciaram o tropicalismo e o trabalho de escritores como Paulo Leminski e Arnaldo Antunes, o imaginário bandeirante-desenvolvimentista paulistano, mesmo em obras que o tomam como objeto de crítica e desconstrução, sempre constituiu um combustível poderoso para os artistas nacionais.

Aproveitando então a efeméride dos 466 anos de São Paulo, o Coletivo Leitor sugere aos professores de Língua Portuguesa algumas ideias de atividades com poemas sobre a pauliceia, sua história, seus marcos paisagísticos, arquitetônicos e seus problemas.

Um poema como o “Neopaulística”, de José Paulo Paes, publicado originalmente no livro Resíduo (1980), permite usar a transformação do Rio Tietê para falar tanto dos impasses inerentes à ideologia do progresso quanto do problema da poluição ambiental:

pelo mesmo Tietê

onde outrora viajavam

bandeirantes heris

 

só viajam agora

os dejetos: bandeira

de seus filhos fabris

 

O mesmo poema pode ser confrontado com “Tietê”, de Mário de Andrade, originalmente publicado em Pauliceia desvairada (1922), ou, para alunos um pouco mais velhos, com o poema-testamento do escritor modernista, “A meditação sobre o Tietê”, parte integrante da Lira Paulistana (1945).

Ainda na companhia dos poetas, é possível exibir para os alunos o minidocumentário “A São Paulo de Haroldo de Campos” (acesso em 20 jan. 2020), em que, entre outras observações interessantes, Haroldo refere-se ao problema da especulação imobiliária e à permanente desfiguração do espaço urbano como uma espécie de escrita em palimpsesto, na qual distintas camadas se sobrepõem, perturbando a decantação da memória.

Outra possibilidade é organizar passeios cujo itinerário seja definido com base em poemas onde são mencionados certos logradouros paulistanos, como se verifica em várias composições de Paranoia, de Roberto Piva (1963). Ou com base em canções como “Sampa”, de Caetano Veloso, “Ronda”, de Paulo Vanzolini, “Trem das onze”, de Adoniran Barbosa, “São, São Paulo, meu amor”, de Tom Zé, verdadeiros “hinos” paulistanos que trazem aspectos contraditórios da cidade, flagrada em diferentes dimensões (transporte, trabalho, violência etc.).

Eis algumas ideias para explorar a data de 25 de janeiro e homenagear a cidade aniversariante com poesia, vídeo, música, entre outras coisas.

Além disso, para quem estiver na Pauliceia nesse dia, a prefeitura oferece uma programação cultural rica e diversificada, com espetáculos de música, dança, circo e teatro, passeios e muito mais.

Confira a seguir alguns títulos do nosso catálogo que também rendem homenagem à conturbada urbe:

Alma de fogo, de Mário Teixeira

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Os estudantes boêmios da Faculdade de Direito investigam assassinatos em série na vila de São Paulo, no século XIX. Álvares de Azevedo e sua turma precisam desvendar esse misterioso caso para tirar o amigo Aureliano Lessa da cadeia e impedir novos crimes.

 

Brás, Bexiga e Barra Funda, de Antônio de Alcântara Machado

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Coletânea de contos falando da vida dos primeiros imigrantes italianos estabelecidos nos famosos bairros de São Paulo, periféricos na cidade de então. Das dificuldades de aclimatação (nova língua, novos costumes) à paixão pelo futebol, temos aqui retratado o dia a dia desse povo que contribuiu para a formação do Brasil.

 

Éramos seis, de Maria José Dupré

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Este romance se passa na capital paulista, entre as décadas de 1910 e 1940. Nele, a saudosa D. Lola relata o dia a dia vivido ao lado do marido e de seus quatro filhos. Aos poucos, o leitor se vê envolvido pelas alegrias, dramas e adversidades da família Lemos e faz uma viagem pela São Paulo do início do século XX, marcada pelas revoluções de 1924 e 1932.

 

Quarto de despejo, de Maria Carolina de Jesus

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O diário da catadora de papel Carolina Maria de Jesus deu origem a este livro, que relata seu cotidiano na favela. A linguagem simples, mas contundente, comove o leitor pelo realismo e pelo olhar sensível da autora na hora de contar o que viu, viveu e sentiu nos anos em que morou na comunidade do Canindé, em São Paulo, com três filhos.

 

Zé Pedro e seus dois amores (e outras histórias), de Ricardo Azevedo

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Uma cidade que nunca dorme. São Paulo é o pano de fundo para essas três narrativas, com personagens cativantes. Suas trajetórias nunca vão se encontrar, mas de algum modo seus cotidianos se cruzam na construção conjunta de uma cultura popular urbana e múltipla, repleta de misturas e autenticidade.

 

Foto de capa: Draga Work