Rastros luminosos

Por Heloisa Prieto - 02 jun 2020 - 5 min

Quando a Luz regressa à fonte, não leva embora nada que já tenha iluminado.

Rumi

O primeiro encontro com Gilberto Dimenstein sempre permanecerá como uma das mais gratas surpresas da minha vida. Inicialmente, recebi um telefonema dele convidando-me a fazer uma reunião no jornal Folha de S.Paulo, onde Gil trabalhava e eu atuava como colaboradora do suplemento infantil, Folhinha.

Gilberto havia lido alguns de meus livros e sugeriu que escrevêssemos juntos episódios da vida de um garoto adolescente, paulistano, enfrentando os desafios contemporâneos. Imediatamente começamos a criar a rotina do garoto, a família, os amigos, os hábitos. Ao comentar com ele minha descendência espanhola, Gil logo encontrou um nome para o personagem: Hermano. Não parávamos de falar, a reunião foi longa e muito animada, ambos já habitando completamente o universo de Mano.

Ao longo dos anos em que escrevemos juntos, vários foram os desafios, dentro e fora das páginas. Como a noite em que Gilberto e eu enfrentamos uma grande plateia de pais revoltados conosco. O primeiro título da coleção, Mano descobre o amor, retratava a amizade entre Mano e Carolina a partir de uma conversa virtual. Nos “diluvianos” tempos pré-Facebook, Instagram e outras redes sociais, os pais nos repreendiam por termos incentivado amizade com gente desconhecida na internet. Otimista quanto às novas possibilidades de comunicação, Gilberto não apenas apaziguou a plateia como também projetou um novo cenário de contatos sociais que logo depois se tornaria realidade.

Visionário e profundo conhecedor da teoria da comunicação, Gilberto gostava de ousar, provocar. Por outro lado, nem sempre eu queria lançar nosso querido personagem em narrativas de denúncia social sem apontar caminhos. Longas foram nossas discussões, quantas não foram as vezes em que ele me repreendia por falta de ousadia. Até o dia em que encontramos um território comum: ambos eram grandes apreciadores da obra de Rumi, o poeta sufi.

Pois bem, segundo os preceitos do sufismo, as mensagens mais contundentes de um poema ou narrativa devem ser sutis, caso contrário, a mente racional as descartará. Além disso, para Rumi, a afetividade é a grande ferramenta transformadora. Assim, optamos por apresentar os desafios enfrentados e, de certa maneira, vencidos por Mano, por meio dos sentimentos e valores que o conduziam ao longo da vida: o amor, a amizade, a solidariedade etc.

A cada livro, um longo aprendizado para Gil e eu, na busca de um texto comum a traduzir duas personalidades tão diferentes. Gilberto, urbano, comunicador, empreendedor, e eu, vinda de um mundo rural, adepta de meditação, práticas esportivas, bastante reservada socialmente. Nossas narrativas abrigaram nossos embates e diferenças, como também afinidades e esperanças, traduzindo-os em livros apreciados por todo tipo de gente.

“Nunca lamente, tudo o que se perde, retorna de forma diferente”, assim dizia Rumi, assim diria Gilberto. Que seus rastros luminosos sigam emitindo e reverberando benefícios, a honrar sua partida, a nutrir os que estão por vir.

Confira os livros da Coleção Mano: cidadão-aprendiz

Mano descobre a arte

Gilberto Dimenstein

Mano tem de lidar com dois novos alunos que menosprezam os ensinamentos da professora de arte. Junto com a amiga Carol, ele se envolve num sarau e entra em contato com importantes referências artísticas, como o autor William Shakespeare.

Mano descobre a confiança

Gilberto Dimenstein

Mano perde o avô, que também era seu melhor amigo. Enquanto aprende a lidar com essa perda, ele conhece uma garota que mexe com sua cabeça. Mistérios, emoções intensas e descobertas inesperadas marcam a travessia de Mano rumo à maturidade.

Mano descobre a diferença

Gilberto Dimenstein

Mano e sua turma conhecem um internauta cheio de mistérios. Embora seja um gênio da informática, ele é tímido, excêntrico e solitário. Com base nesse contexto, os autores abordam valores como tolerância e solidariedade.

Mano descobre a ecologia

Gilberto Dimenstein

É verão e tudo vai bem até que acaba a água na cidade. Ao que parece, os responsáveis são os donos de um condomínio. Mano decide investigar e depara com questões relevantes como a preservação da natureza. Surfe e muita ação completam a aventura.

Mano descobre a liberdade

Gilberto Dimenstein

Em uma narrativa gostosa e emocionante, Mano descobre o passado surpreendente de seu avô e aprende o verdadeiro sentido da palavra “liberdade”.

Mano descobre a paz

Gilberto Dimenstein

Mano conhece dois novos amigos: Sofia, de origem judaica, e Samir, de origem árabe. Em plena crise detonada pelo ataque às Torres Gêmeas, o amor surge.

Mano descobre a solidariedade

Gilberto Dimenstein

Coisas estranhas estão acontecendo na escola de Mano: a quadra é depredada, grupos se reúnem para brigar… E ele sabe que precisa tomar uma atitude. Ao longo da trama, Mano descobre que é possível resolver conflitos sem brigas e violência.

Mano descobre o amor

Gilberto Dimenstein

Sem querer, Mano erra de site e conhece Chatter. Nas conversas virtuais, eles revelam detalhes do dia a dia, trocam segredos, falam sobre tolerância, respeito e Valores fundamentais. Até que, finalmente, rola um encontro entre os dois e Mano tem uma incrível surpresa!

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Gilberto Dimenstein

Foto da capa: Vinicius Stasolla, 2016, Creative Commons

Heloisa Prieto

Heloisa Prieto é mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP, doutora em Literatura Francesa pela USP, autora de 82 títulos, nove deles em coautoria com o jornalista Gilberto Dimenstein. A série Mano, fruto dessa parceria, foi adaptada para o teatro por Naum Alves de Souza, sendo agraciada com o prêmio Sesi. A versão cinematográfica, intitulada “As melhores coisas do mundo”, obteve, em 2011, o prêmio de Melhor Filme no VIII Festival internacional de Cine para a Infãncia y la Juventud de Madri. Atualmente, Heloisa participa do grupo de escritores irlandeses (Inkies writing group), tendo participado de duas antologias publicadas em Dublin (2019-2020). Foto: Carly Bryant, 2016, Creative Commons

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