Nas mediações: Estratégias e dicas para mediar a leitura

Por Renata Ribeiro de Moraes - 25 set 2018 - 6 min

Também vista como um tipo de arte, a literatura atua como reflexão sobre nossa identidade, sobre a de outros povos, trabalha o autoconhecimento, opiniões e atitudes, além de estimular debates e sugerir proposições. E, diante de tantas funções que a literatura desempenha, outros desdobramentos se legitimam quando ela é o assunto, um deles é a mediação de leitura. Antes de iniciar qualquer atividade deve-se pelo menos ter em mente duas premissas:

  • O direito à literatura: o crítico Antonio Candido, em “O direito à literatura”, compara o direito à cidadania ao do acesso à literatura, portanto, acesso à literatura como instrumento de formação pessoal e transformador;
  • Formação literária para o trabalho com mediação (infere que eu seja leitora o que me permite atuar como formadora de mim mesma e do outro).

Estratégias de mediação

No que diz respeito à mediação da leitura, destaco que, a partir dela, é possível lermos o nosso público em sua essência, ou seja, sabermos um pouco mais sobre ele, sendo esse o primeiro exercício que envolve o trabalho com a mediação.

Quando penso na mediação de leitura, vejo a possibilidade de trabalhar com uma pluralidade de experiências, tendo em vista que ao compartilhar o que depreendi sobre o tema abordado inauguram-se momentos de trocas. Ainda, ao ouvir o interlocutor, a partir do que me propus como encaminhamento para reflexões, mediador e público descobrem, juntos, uma imensidade de ressignificações sobre a discussão que um texto tende a proporcionar.

Assim, a partir do que eu leio, acontecem as experiências de leitura: “O que esse tema tem a ver comigo?”, “Como posso estabelecer relações com o meu momento atual?”, “Que sentimentos são aflorados?”.

Em se tratando de recursos que auxiliam a ação com o uso da literatura, por meio dela também é possível verificar que o processo de formação do interlocutor é desenvolvido ao máximo, ao se pensar em estratégias de leitura, do trabalho com determinados temas pertinentes ao seu universo, ao ouvi-lo, ao lhe dar voz, enfim, uma obra/um texto deve estar presente porque deve fazer sentido para quem a lê. E é no contato com o texto — com o encantamento que este proporciona (aqui já se instaura o processo de mediação), ao estimular nosso público, já que também formarei novos leitores — que as possibilidades de atividades são cada vez mais significativas.

Antes de começar a mediação

Antes de iniciar uma conversa sobre a obra em questão com o seu público é sempre muito relevante falar com ele sobre o autor: “De onde ele vem?”, “Quais suas referências?”, “Sua formação?”, “Qual é a sua relação com a escrita e a leitura?” e, consequentemente, “Qual é a sua relação com a literatura?”.

Contextualizar o extraliterário que permeia uma obra é também caminhar para o literário. “De que forma uma publicação está associada às escolhas dos temas, títulos, anos e edições das obras?” e “Como todos estes elementos constroem a carreira do próprio escritor?”, “Como a obra circula socialmente?”, “Qual é o público-alvo?”, “Quais críticas foram feitas?”.

Estratégias pontuais de mediação

  1. Temas contemporâneos (temas transversais)

Reserve um espaço para o trabalho com os temas contemporâneos (os também chamados temas transversais). Convidar alguém da comunidade que seja especialista no assunto tratado no livro também é uma boa oportunidade para se estabelecer um diálogo saudável sobre o tema.

Os temas trabalhados na obra são a possibilidade de ampliarmos o diálogo sobre eles, seja lendo um pouco mais a respeito, seja ouvindo nosso interlocutor. Esse é um momento de informação e de formação de seu público-alvo.

  1. Motivação para a leitura

Proponha ao seu interlocutor uma discussão sobre a escolha do título do livro em questão, a partir de seu conhecimento de mundo e inferências, e elenque algumas possibilidades de significação com base nessa escuta. É um momento de explorar os elementos paratextuais do livro, como a capa ilustrada, as notas de orelha, a dedicatória, a apresentação e as ilustrações internas. Questione-o: “Por que tais elementos estão presentes no livro e qual a função de cada um deles?”.

A partir dessa “leitura e interpretação” paratextual há o momento de perguntar ao seu público: “Quais os principais pontos destacados e de que forma esses elementos nos conduzem à leitura da obra/do texto?”.

  1. Leitura do texto propriamente dito

Você verá, ao longo da leitura, como o texto tem o poder de encantar, de prendê-lo na narrativa e de aflorar sua imaginação quando em contato com o texto. No contato com o público, este encantamento também poderá existir, pois vai ser fruto do trabalho realizado anteriormente com a contextualização, com os paratextos e a biografia do autor, além de outros elementos que o mediador considerar relevantes.

Para estabelecer uma aprendizagem mais significativa, oriente o seu interlocutor a fazer anotações durante a leitura, percebendo como alguns trechos e ou capítulos são compreendidos e interpretados por ele, o que pensa a respeito do que leu e como as ações dos personagens e/ou do narrador podem traçar um paralelo com o mundo do leitor. As impressões de leituras são importantíssimas para uma boa interpretação do texto lido, porque conduzem a reflexões pessoais e exteriores a partir do que vivenciam no seu cotidiano, elas ampliam seu olhar para outros pontos que antes não imaginariam existir e, além de tudo, permitem que possam se expressar diante de um grupo, seja social ou familiar. A literatura permite também, nestes momentos de reflexão sobre o que foi lido, entender como uma identidade pode ser constituída, construída, conduzida, mapeada e aflorada.

Dicas para mediar a leitura

  • Leia, leia, leia!!!
  • Procure temas que você e seu público gostem!
  • Contextualização já!
  • Escuta atenta!
  • Uma leitura de um livro literário sempre apresenta uma gama de possibilidades de trabalho: use isso para fomentar a reflexão da galera!

E aí, bora promover, por meio da mediação de leitura, a formação, a informação e a cidadania?

Renata Ribeiro de Moraes

Doutora em Literatura Brasileira pela UNESP (Universidade Estadual Paulista), pesquisa o trabalho extraliterário do escritor João Antônio. Integra a área de literatura infantojuvenil da SOMOS Educação.

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