Lyman Frank Baum, 100 anos

Por Ramon Nunes Mello - 02 out 2019 - 9 min

A história da menina orfã Dorothy Gale, que vivia na pacata cidade do Kansas, em companhia dos tios e do cãozinho Totó, até ser levada por um ciclone para o reino de Oz, integra-se ao imaginário de milhares de crianças e adultos. Desde o sucesso da primeira edição de O mágico de Oz (The wonderful wizard of Oz, em inglês), o americano Lyman Frank Baum (1856-1919) celebrizou-se como o autor de uma das mais conhecidas obras da literatura infantil, ao lado de Alice no País de Lewis Carroll, dos contos dos irmãos Grimm e das aventuras de Hans Christian Andersen.

Neste ano em que se comemora o centenário de morte de Baum, recordam-se também os 80 anos da primeira adaptação cinematográfica de O mágico de Oz e os 50 anos de morte da atriz Judy Garland, que eternizou Dorothy nas telas, cantando Over the rainbow

O escritor tinha 44 anos em 1900, quando o seu mais famoso livro foi lançado pelo editor George M. Hill, em Chicago. De acordo com Michael Patrick Hearn, autor The annotated wizard of Oz (Centennial Edition, 2000), foram vendidos 10 mil exemplares em duas semanas, e outros 80 mil ao longo de seis meses.

Múltiplas vocações  

Nascido na cidade de Chettemango, em Nova York, em 1856, Lyman Frank Baum, iniciou a carreira como escritor no jornalismo, depois de se aventurar como músico, ator, cineasta, cantor, fotógrafo, produtor teatral, vendedor ambulante e editor de livros. Posteriormente, concentrou sua atenção nas histórias infantis a fim de dedicar mais tempo aos quatro filhos, despontando como um grande mago da literatura infantil. 

Antes do sucesso de O mágico de Oz, Baum publicou, em 1897, um livro de histórias infantis, Mamãe ganso em prosa, dando vida pela primeira vez à personagem Dorothy, cujo nome homenageia sua sobrinha, Dorothy Louise Gage, falecida aos 5 meses. Dois anos mais tarde, publicou Papai ganso, coletânea de versos ilustrados por W. W. Denslow, o qual também ilustraria as primeiras edições de O mágico de Oz

A primeira edição do livro, com mais de 150 ilustrações de Denslow, foi batizada inicialmente de A cidade esmeralda de Oz, título logo alterado para O maravilhoso mágico de Oz, devido à superstição do autor de que o nome de uma pedra preciosa poderia dar azar. A parceria com o ilustrador, contudo, durou pouco, eles romperam em 1902. Um dos maiores problemas para Baum era que a maioria dos críticos elogiava as ilustrações de Denslow, mas desprezava o texto. 

Ao longo de duas décadas, a pedido das crianças, Baum criou mais treze livros da série Oz: A terra maravilhosa de Oz (1904); Ozma de Oz (1907); Dorothy e o mágico em Oz (1908); A caminho de Oz (1909); Tik-Tok de Oz (1914); O espantalho de Oz (1915); e Glinda de Oz (1920), entre outros. Além desses livros, ele ainda escreveu uma série para meninas sob os pseudônimos Laura Bancroft e Edith van Dyne.

Elogiado pelo escritor Mark Twain, O mágico de Oz permanece como referência para escritores da estatura de F. Scott Fitzgerald, Salman Rushdie e Gore Vidal. Após a morte de Baum, o universo de Oz continua rendendo apropriações contemporâneas, como as realizadas por Ruth Plumly Thompson, Gregory Maguire e Landon Parks. 

Uma obra que se desdobra 

A incomparável adaptação cinematográfica de O mágico de Oz, superprodução da Metro-Goldwin-Mayer, dirigida por Victor Fleming e lançada em 1939, foi considerada revolucionária no uso das cores, contrapondo o ambiente cinzento do Kansas às cores vivas da terra de Oz. Com a menina Judy Garland no papel de Dorothy, o filme tornou-se a principal porta de entrada para o romance. Visto por mais de 44 milhões de pessoas desde o seu lançamento, essa adaptação foi antecedida por um filme mudo de 1925, com Oliver Hardy, o gordo da dupla “O gordo e o magro”, como Homem de Lata (disponível aqui, acesso em 27 set. 2019).

O mágico de Oz recebeu muitas outras adaptações, como o musical O mágico inesquecível (1978), dirigido por Sidney Lumet e ambientado na Nova York dos anos 1970. Nessa versão, Dorothy é interpretada pela cantora Diana Ross e o espantalho, por ninguém menos que o astro pop Michael Jackson, então em seu primeiro filme. Apesar do elenco de grandes estrelas, o filme, que pode ser visto aqui (acesso em 27 set. 2019), foi um fracasso de público e crítica.

De lá para cá o cinema não parou de revisitar o romance. Entre as muitas adaptações destacam-se O mundo fantástico de Oz (1985), Os muppets e o mágico de Oz (2005), Yellowbrickroad (2011) e Oz, mágico e poderoso (2013) – esse último tendo James Franco no papel do mágico. 

No Brasil, não se pode deixar de citar a comédia de Os Trapalhões e o mágico de Oróz (1984), dirigido por Victor Lustosa e Dedé Santana, estrelado pela trupe humorística Os Trapalhões, com a participação de convidados como Xuxa Meneghel. 

A importância de O mágico de Oz se amplia também no campo musical. A canção Over the rainbow, de Harold Arlen e Yip Harburg, originalmente interpretada por Judy Garland, é tão famosa quanto o filme de 1939. Ao longo de 80 anos ela foi executada por diferentes intérpretes: Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan, Frank Sinatra, Tony Bennett, Gregory Porter, Plácido Domingo, Céline Dion, Beyoncé, Louis Armstrong, David Bowie, Doris Day, Aretha Franklin, Diana Ross, Ray Charles, Lady Gaga e Amy Winehouse. No Brasil, circulou nas vozes de Rita Lee, Celly Campello, Nara Leão, Luiza Possi, Paula Fernandes e Cynthia Luz, entre outras.

Com sua letra simples e melodia melancólica, Over the rainbow foi considerada a melhor canção da história do cinema pelo American Film Institute, talvez por evocar o desejo geral de escapar da desesperança e da vertigem do mundo.

No contexto atual

Um dos aspectos que define uma obra como clássica é a capacidade de ultrapassar seu tempo, sendo atualizada por constantes e distintas leituras no decorrer da história. O mágico de Oz preserva-se justamente por propiciar múltiplas leituras.

O tradutor brasileiro Luciano Machado, responsável pela versão em português publicada pela editora Ática, acredita que o constante interesse na obra se deve ao fato de os personagens saírem em busca de um mágico capaz de resolver todos os problemas: “Um mágico que não é mágico, mas um anti-herói que revela a ilusão e o autoengano dos outros personagens. Se trouxermos para um contexto político do mundo atual, em que a população elege políticos que se comportam como antipolíticos, veremos que na realidade o povo está agindo de forma ingênua, como Dorothy e seus amigos. Esse livro é um clássico porque nos faz pensar sobre as questões humanas universais”, declara Luciano em depoimento exclusivo para o Coletivo Leitor. 

Não por acaso, para ilustrar a situação política do Brasil atual, o coletivo de humor Porta dos Fundos parodiou recentemente a história de Baum. Na descrição do vídeo (disponível aqui, acesso em  27 set. 2019), lê-se: “Mentiu quem disse que nos contos de fadas não existe meritocracia. Enquanto uns podem ir ao Mágico de Oz pedir órgãos e passagens aéreas para o Kansas, outros lutam para, pelo menos, ganhar um novo papelão para dormir.”  

Nessa paródia com roteiro de Fábio Porchat, um homem em situação de rua, vivido pelo ator Rafael Portugal, aborda os quatro personagens do clássico infantil pedindo um prato de comida. Ao ser questionado, o sujeito se apresenta como mendigo e viciado em crack. Convidado a pedir ajuda ao mágico de Oz, ele desanima, mas Dorothy insiste: “Olha, mendigo, se você acreditar, com toda sua força, todos os seus sonhos podem se realizar”. Imediatamente, o Espantalho debocha da menina – “Eh… meritocracia!” – para, em seguida, agredir o pedinte, que acaba caído na estrada de tijolos amarelos. A desigualdade social invade o conto de fadas revelando uma nova moral: nem todos podem enunciar os seus desejos (quanto mais realizá-los), os espantalhos jamais abandonam a vocação policial de espantar os famintos e “voltar para casa” é problema apenas para quem tem casa.

Uma narrativa maravilhosa 

No entanto, à parte essas apropriações adultas da história, que subvertem sua moral esperançosa, o livro segue encantando o público infantojuvenil, como explica a tradutora Ana Carolina Lazzari Chiovatto para o Coletivo Leitor: O mágico de Oz, acima de tudo, ‘um conto de fadas modernizado’. É um livro que pertence aos contos de fadas modernos e se insere na ‘narrativa maravilhosa’, proposta pelo linguista búlgaro Tzvetan Todorov. Para além de classificações teóricas, o especial desse livro é que a jornada da Dorothy manifesta o empoderamento da criança. Dorothy é uma líder, uma personagem feminina respeitada por outros personagens. O mais interessante na obra de Baum é que o final se revela menos importante do que a própria jornada”.

Se essa jornada é que expande os horizontes de Oz, o leitor por seu turno descobre que o alvo de sua busca não está fora, num lugar distante, over the rainbow, mas dentro dele, em potência, e que a transformação dessa potência em ato depende menos da bondade dos mágicos que dos desafios trazidos pelo convívio intersubjetivo.  


Conheça agora o livro que se tornou um clássico da literatura infantojuvenil 

O mágico de Oz, de Lyman Frank Baum

Magico de Oz

A menina Dorothy quer voltar para casa, o Leão quer coragem, o Homem de Lata busca um coração e o Espantalho quer inteligência. Os quatro saem em busca do Mágico de Oz para que ele realize seus desejos

 

Ramon Nunes Mello

Ramon Nunes Mello (Araruama/RJ, 1984) é poeta, jornalista e ativista dos Direitos Humanos. Mestre em Literatura pela UFRJ, é autor dos livros de poemas Vinis mofados(2009); Poemas tirados de notícias de jornal (2012) e Há um mar no fundo de cada sonho (2016), entre outros títulos.

Foto: Ricardo Fujii

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