Livro digital para crianças: um aliado na formação de leitores

Por Juliana Gola - 12 maio 2021 - 8 min

Um ano e alguns meses após o primeiro caso confirmado no Brasil, a pandemia segue impondo limitações a todas as famílias que habitam a Terra. Estamos isolados e com muitas restrições e o efeito disso na vida das crianças só poderá ser medido lá na frente. É sabido que parte do aprendizado humano vem da leitura e do estímulo da criatividade despertado pelas histórias, mas como fica o acesso aos livros, em tempos em que a recomendação é ficar em casa? Bibliotecas e escolas fechadas e responsáveis tendo que equilibrar os cuidados diários entre trabalho, casa e família geram um abismo entre o ideal de educação e o que é possível em cenário de crise e exaustão mental. 

Diante disso, a introdução das telas deixou de ser apenas uma opção para tornar-se regra. Além das aulas on-line, educadores e pedagogos passaram a recomendar a leitura digital. Se a criança não vai até o livro, o livro vai até a criança. “A leitura é a leitura, não importa o suporte: seja ele um livro impresso ou um livro no tablet”, afirma Aloma Carvalho, pedagoga especializada nos processos de aprendizagem da leitura e da escrita. Ela é autora de livros para bebês e curadora responsável da Editora Bamboozinho, especializada em livros para a infância. Em 2020, criou o Projeto Bebeteca Digital, disponibilizando a leitura aberta de livros para bebês e crianças pequenas. 

Há diferenças, mas o ritual segue importando mais. “Os gestos e os procedimentos de leitura mudam: o modo de segurar, virar as páginas, as possibilidades de interação. E para a criança o suporte eletrônico traz um desafio adicional: ela precisa aprender que a leitura no digital não é necessariamente responsiva. Como estamos todos muito habituados a usar aplicativos e esses são responsivos, sempre estamos esperando alguma interação. E quando se trata do livro digital não necessariamente isso acontece”, explica Aloma. A recomendação é que o estímulo venha tanto do livro físico quanto do digital desde a primeira infância, para que a criança aprenda a usar os suportes digitais sem ficar apertando a tela esperando por um emoji, uma animação ou música. 

Crianças e adolescentes conectados

Mesmo antes da pandemia, a preocupação em relação às tecnologias e o acesso para cada faixa etária já era evidente. Em 2018, a pesquisa TIC KIDS Online, realizada pelo Cetic.br/NIC.br em amostra representativa de 2.964 famílias com entrevistas de crianças e adolescentes brasileiros entre 9 e 17 anos, demonstrou que 86% estão conectados, o que corresponde a 24,3 milhões de usuários da internet, com a variação entre 94% e 95% nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste e 75% nas regiões Norte e Nordeste. Esse uso ocorre pelo telefone celular em 93%, com compartilhamento de mensagens instantâneas, uso de redes sociais, fotos e vídeos, jogos on-line e off-line, além de assistir vídeos, filmes e programas ou séries na internet.

De olho nisso, em fevereiro de 2020, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) divulgou um Manual de Orientação #MenosTelas #MaisSaúde, que oferece a pais e responsáveis orientações sobre o uso de telas e internet por crianças e adolescentes. Evitar a exposição de crianças com menos de 2 anos às telas, mesmo que passivamente, é uma das indicações. Assim como limitar em até uma hora por dia o consumo de telas por crianças de 2 a 5 anos; em até duas horas por dia por crianças entre 6 e 10 anos; e em até 3 horas o uso de telas e jogos de videogames por crianças e adolescentes entre 11 e 18 anos.

Com a implementação das aulas on-line, em março de 2020, às pressas e sem planejamentos, o que vimos foi a reformulação de métodos de ensino e uma adaptação que acabou relativizando os prejuízos. “Crianças precisam brincar para se perceberem pelos olhos do outro, para aprenderem a somar, repartir, doar, respeitar. Sem a possibilidade da escola, deveriam usar as telas por um tempo importante, seja para assistir aulas, vídeos que as escolas enviam, jogos apropriados para a aprendizagem. Há um cardápio de livros virtuais que são verdadeiras delícias a serem devoradas pelos alunos. Caso o tivessem feito nesse período, a perda na aprendizagem teria sido menor”, afirma a pedagoga Lígia Fleury, que faz parte da Escola de Pais XD, criada no final do ano passado com a proposta de auxiliar pais, mães e responsáveis na educação dos filhos. “Crianças que possuem a qualidade da informação pela tecnologia, e conseguem ser atendidos por bons professores e pais interessados, podem seguir seu desenvolvimento cognitivo mesmo que com alguma perda, que será certamente resgatada no retorno às aulas presenciais”, completa ela.

Voltamos então às questões já discutidas em tantos estudos sobre a formação humana: educação não depende de uma pessoa, mas de uma rede, que inclui pais, responsáveis e professores. Para a literatura infantil, suporte e mediador. “Quanto mais jovem o leitor, mais importante é a participação dos adultos. A leitura para os bebês e para as crianças pequenas precisa sempre da companhia de um leitor mais experiente. Com relação aos maiores, é interessante introduzir a leitura como parte da rotina. Por sinal, essa é uma recomendação para todas as idades. Ler antes de dormir, ler depois do almoço, ler com toda a família junta, reunida naquela hora, pois é importante estarmos tranquilos em casa”, defende Aloma Carvalho.

A construção dos vínculos e autoestima são também parte desse processo. Parte fundamental, inclusive. “Pais e mães presentes ajudam a desenvolver a autoestima das crianças ao elogiarem tarefas e participações nas aulas, por exemplo. O mais importante na aprendizagem pela telinha, olhando para o papel dos responsáveis, é o estímulo dado em casa, a motivação oferecida. Nunca a parceria família e escola foi tão indispensável! Esse é caminho”, diz Lígia.

Cuidados com o que chega pela tela

Para além da quantidade de horas, é importante estar atento ao conteúdo, ao universo de possibilidade que está à distância de um clique. “A leitura no suporte digital não prejudica ninguém. O cuidado que temos que ter, sobretudo no caso das crianças e dos adolescentes, são os programas que envolvem ou contêm respostas que, comprovadamente, geram ansiedade e seguram a pessoa mais tempo diante da tela. A leitura digital não responsiva não provoca ansiedade e tampouco comportamentos viciantes. Por isso acredito que neste momento em que vivemos ela seja o ideal. A formação do leitor pede livros, diversidade de gêneros e com o isolamento que estamos vivenciando as bibliotecas digitais têm se mostrado um bom caminho para alimentar o percurso leitor das crianças e dos jovens”, reforça Aloma.

Criar ambientes que favoreçam o interesse pela leitura talvez seja a primeira dica importante para qualquer adulto interessado em formar leitores, independentemente do formato. Ter livros, gibis e revistas em casa, criar pequenas bibliotecas e deixar sempre à mão é fundamental. “Quando se tem um ambiente leitor, os momentos de leitura surgirão quase que naturalmente: ler a receita de um bolo em um blog, uma mensagem da vovó pelo WhatsApp, uma revistinha”, afirma Aloma. Com o espaço que a tecnologia ocupa na nossa vida atual, a introdução do livro digital depende também dessa construção para que vire um hábito. “O mais importante é não ‘abandonar’ a criança diante das telas dos aplicativos e das redes sociais e incentivá-la a buscar outros meios de entretenimento – mesmo que seja o livro digital”, completa.

Em tempos de pandemia, perdemos o estímulo “delegado” aos professores. O que poderia ser uma notícia ruim, pode ser também uma boa desculpa para virarmos a chave de uma transformação, mesmo que atrasada. Nunca é tarde, eu diria! A ideia de que devemos ler porque faz parte do currículo escolar e teremos uma avaliação para provar o que conhecemos pode ser mudada para: devemos ler porque ler é legal. A proximidade com pais e cuidadores, em casa, e a possibilidade de todo e qualquer título ao alcance das mãos, são motivos mais do que reais para a criação de uma rotina de leitura que se conecte com outras atividades, prazerosas e estimulantes muito mais do que obrigatórias! 

Juliana Gola

Juliana Gola é jornalista e trabalha com cultura, fazendo e divulgando, há 15 anos. Esteve nos principais festivais de literatura pelo Brasil como assessora de imprensa e na gestão de comunicação de editoras. Desde 2013 passou a olhar com mais interesse para as publicações infantis, assim como tudo relacionado à educação, ao se tornar mãe. Tem hoje duas filhas, Valentina (7) e Isadora (4), suas fontes de energia e curiosidade sem fim.

Crédito da foto: Monica Schalka

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