JOÃO CAETANO, O TALMA* BRASILEIRO

Por Alexandre Azevedo - 13 out 2021 - 5 min

Em 1808 chegava ao Brasil, fugindo das tropas napoleônicas, a família de Dom João VI. Instalada no Rio de Janeiro, a nova Lisboa, a cidade carioca era, assim como tantas outras, parada no tempo e no espaço. O Brasil desta época, já com os seus 308 anos de existência, era uma colônia sem nenhum atrativo cultural para uma corte acostumada com as festas em palácios, óperas em teatros e saraus nos palacetes de nobres e fidalgos. Havia por aqui apenas um teatro, uma única casa de espetáculo, na antiga Vila Rica, hoje Teatro de Ouro Preto. Nada mais havia de interessante, além daquela casa de ópera. Por essas terras não circulavam jornais nem revistas, não havendo sequer uma biblioteca pública e, com exceção da escola de engenharia, criada no século XVIII, para a edificação de fortes, as famílias que tinham condições financeiras enviavam os seus filhos para Portugal, a fim de cursarem direito e medicina. E como poderia, então, a Família Real viver numa terra dessas? Era preciso, urgentemente, arregaçar as mangas se quisesse ter o mínimo necessário para a sua distração. Das várias bibliotecas de Portugal vieram os livros encaixotados (esquecidos no porto na correria do “salve-se quem puder”) em 1809. Antes, em 1807, chegavam as máquinas tipográficas importadas da Inglaterra (talvez a prova de que D. João VI já pensava em vir para o Brasil), nascendo a imprensa-régia e com ela a circulação dos primeiros jornais e revistas do Brasil, dentre eles a Gazeta de Notícias, o Diário de Rio de Janeiro e o Correio Mercantil do Rio de Janeiro. Finalmente, em 1813 era inaugurado o Real Teatro de São João. D. João VI, então, importava para cá peças de autores portugueses, franceses e espanhóis, encenadas por companhias também europeias, causando um ciúme enorme em nossos autores românticos. O teatro, que havia surgido no Brasil pelas mãos jesuíticas do padre José de Anchieta, em sua catequese, despareceu após a morte do religioso. Era preciso ressuscitá-lo e, pensando assim, poetas e romancistas como Gonçalves de Magalhães, Gonçalves DiasCastro AlvesJosé de AlencarJoaquim Manuel de Macedo Visconde de Taunay dedicaram uma pequena parte do seu tempo literário ao teatro. Porém, foi com o comediógrafo Martins Pena que o teatro romântico se consolidou, tendo o autor a honra de ver as suas comédias encenadas pela trupe do maior ator de teatro do século XIX, João Caetano. Nascido no Rio de Janeiro, justamente no ano da chegada da Família Real, João Caetano ainda jovem se interessou pela arte de atuar. Incorporando-se a uma companhia portuguesa, o jovem ator sentiu na pele a discriminação de ser brasileiro, já que aos atores aqui nascidos só cabiam papéis secundários, sem grande relevância, sem nenhum poder de decisão. Sua insatisfação era visível, causando antipatia nos atores lusitanos. Para derrubá-lo de seu salto, tentaram pregar-lhe literalmente uma peça: deram a ele um papel de destaque em um texto fraco, uma comédia de nome O chapéu pardo. Ao interpretá-la, estaria para sempre enterrada a sua carreira de ator. Mas o feitiço virou contra os feiticeiros, pois o que se viu e ouviu foi uma plateia “se acabar” em gargalhadas. Nascia ali um grande ator. Entretanto, foi desligado da companhia para logo ingressar em uma outra, mas as perseguições dos atores portugueses continuaram, sem dar chances a ele e aos seus colegas brasileiros. Não adiantava insistir, era necessário criar a sua própria companhia, formada só por autores da terra. Era a nacionalização de nosso teatro. Apesar de considerar muitas das peças europeias de alto valor literário, essa nacionalização precisava também atingir os autores brasileiros. Atores brasileiros encenando autores brasileiros. Em 1838 a plateia assistia a Antônio José ou o poeta e a inquisição, aquela que é considerada a primeira tragédia brasileira, escrita pelo introdutor do nosso Romantismo, Gonçalves de Magalhães. Nesse mesmo ano, João Caetano subia ao palco para encenar a primeira comédia do Brasil, Juiz de paz na roça, do jovem Martins Pena. A fama de João Caetano só aumentava e a cada peça encenada os críticos teciam elogios rasgados nas folhas dos mais importantes jornais do Brasil. Até mesmo na Europa, João Caetano era citado como uma estrela de primeira grandeza. Porém, faltava-lhe ainda encenar Shakespeare, sem isso não se sentia um ator completo. Com as traduções de Gonçalves de Magalhães, João Caetano levou para o palco Hamlet Otelo, sendo aclamado pela plateia e pela crítica teatral. Para os autores românticos, era o máximo ver as suas peças encenadas pelo grande ator. João Caetano deixou os palcos aos 55 anos de idade, cercado de toda glória. O antigo Real Teatro de S. João, palco de grandes tragédias, não esperava que outras pudessem lhe atingir de verdade, em cinco incêndios durante os anos de sua existência. No último, em 1928, a demolição foi inevitável. Entretanto, toda a tristeza acabou se revertendo em alegria, pois no mesmo terreno erguia-se um novo teatro: o Teatro João Caetano.

*François-Joseph Talma (1763-1823), é considerado o maior ator francês de sua época.



Alexandre Azevedo

Alexandre Azevedo é professor de literatura e escritor. Autor de mais de 120 obras. Já publicou, entre outros, Que azar, Godofredo! (Atual), O vendedor de queijos e outra crônicas (Atual), Três casamentos (Atual), Poeminhas fenomenais (Atual), O menino que contava estrelas (Atual), A lua e a bola (Formato) e A última flor de abril (Saraiva).

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