Os primeiros voos e as primeiras luzes da Vaga-Lume

Por Jiro Takahashi - 25 set 2018 - 6 min

Na Editora Ática dos primeiros dez anos, era muito comum que os editores fossem também professores atuantes em suas escolas. Eu mesmo fui sempre editor e professor, até hoje. Como professor, no início dos anos 1970, notava um estímulo das novas diretrizes educacionais para que se valorizassem autores nacionais contemporâneos entre os alunos da antiga 5ª série em diante, hoje 6º ano.

Em 1969, a Ática havia criado a série Bom Livro, com os clássicos das literaturas brasileira e portuguesa e com uma novidade: uma ficha de leitura que acompanhava cada exemplar. No Ensino Médio da época e nas faculdades, os professores costumavam solicitar aos alunos o fichamento de livros lidos. Por isso, a novidade da ficha de leitura ajudou a fazer o sucesso da série.

No início dos anos 1970, éramos três os editores: Avelino Correa, responsável pelos livros didáticos; Granville Ponce, responsável pela inovação e profissionalização dos procedimentos; e eu, responsável pelos didáticos de português e pelas linhas paradidáticas.

Estimulados pelo professor Anderson Fernandes Dias, o diretor-presidente da editora, selecionamos alguns títulos juvenis de autores contemporâneos para servirem de “balões de ensaio” de uma série contemporânea voltada para leitura extraclasse das últimas séries do Ensino Fundamental (na época, Primeiro Grau). A estratégia consistiu em lançarmos dois títulos — Éramos seis, de Maria José Dupré, e Coração de onça, do casal Ofélia e Narbal Fontes — dentro da série Bom Livro, sem grande alarde. Queríamos verificar se a aceitação seria a mesma dos outros títulos da série. Isso foi no final de 1972. A aceitação foi tão boa que muitos professores passaram a sugerir outros títulos contemporâneos.

Essa boa aceitação nos autorizou a criar a série contemporânea para jovens. Formulamos um conjunto de estratégias para o lançamento ter o sucesso que planejávamos: engajamento interno, participação do público externo, busca de empatia com os dois públicos principais: professores e estudantes e um novo conceito de livro extraclasse.

Para o engajamento interno, foi promovido um concurso nacional entre os colaboradores da editora para a escolha do nome da coleção. Um divulgador do Rio foi o vencedor com a sugestão de Vaga-Lume. Além disso, todos representantes regionais foram estimulados a nos repassar as indicações de títulos feitas por professores de suas regiões. A diversidade regional era uma das metas da série desde o lançamento com os quatro primeiros títulos.

Para contar com a participação do público externo, foram convidados pequenos grupos de professores com quem passamos a trocar ideias sobre o formato, os temas, os estilos, as ilustrações, as atividades, a apresentação, para chegarmos ao conceito do livro modal da série.

E o grande diferencial, para a época, foram os testes que fazíamos com os alunos que liam os nossos originais e opinavam sobre eles. Um aspecto que solicitávamos aos professores que fosse observado era o tempo de leitura dos estudantes.

Achávamos que, quando o leitor lesse em pouco tempo, poderia ser um forte sintoma de que ele tinha gostado muito, a ponto de privilegiar a leitura em relação a outras atividades lúdicas.

Mais tarde, para alcançar um teste mais abrangente, passamos a solicitar aos autores que fizessem uma sinopse, de duas a três páginas. Com a sinopse pudemos fazer teste com milhares de alunos de várias regiões. Esse tipo de teste foi iniciado com O mistério do cinco estrelas, de Marcos Rey. Alguns personagens chegaram a ser inseridos pelo autor em função de interessantes sugestões dos leitores.

A empatia com os professores e os alunos era buscada com as preferências que eles revelavam em nossos contatos. Percebemos a força dos quadrinhos no mundo juvenil. Desta percepção nasceu a ideia de contratarmos um ilustrador de quadrinhos, Eduardo Carlos Pereira, para criar uma personagem — o Luminoso—, que fazia a apresentação de cada livro em forma de quadrinhos coloridos. Para romper com o clássico padrão verbal das orelhas, a apresentação em quadrinhos passou a ocupar a primeira orelha do livro. As antigas fichas de leitura, muito sisudas, foram substituídas por Suplementos de Trabalho, com atividades lúdicas, como palavras cruzadas, charadas, caça-palavras etc.

Para um novo conceito de livro extraclasse, foi criado um novo layout de capa, paginação e uso de ilustrações mais funcionais, baseando-nos no conceito das funções de Barthes, estudioso que chegava como novidade acadêmica na época. A responsabilidade visual da série ficou a encargo do designer Ary de Almeida Normanha, que vinha de experiências criativas de várias revistas arrojadas da época. Ele trouxe para a série ilustradores provindos da imprensa e da publicidade, como Milton Rodrigues Alves, Mário Cafiero, Jaime Leão e vários outros.

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Esse conjunto de estratégias permitiu que ousássemos fazer o lançamento dos quatro primeiros títulos — A ilha perdida, de Maria José Dupré; Coração de onça, de Ofélia e Narbal Fontes; Éramos seis, de Maria José Dupré; e Cabra das rocas, de Homero Homem — com tiragem de 80 mil exemplares para cada título. A precificação foi um item importante apontado por professores, que indicavam que nenhum título poderia custar mais do que uma revista semanal das bancas. Passamos a usar esse padrão de preço para que os professores e os pais se sentissem confortáveis diante desse desembolso semestral, já que a meta inicial era que, no mínimo, um título fosse indicado por semestre. Por isso, por quase dez anos, preparávamos lançamentos semestrais dos títulos da série. De certa forma, essa sazonalidade era muito interessante para se harmonizar com a sazonalidade dos livros didáticos. Um hábito, de certa forma, muito utilizado no mundo rural no país.

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Enfim, aqui estão algumas memórias de quando a Vaga-Lume alçou seus primeiros passeios pelo mundo da leitura. Depois desses primeiros anos, outros excelentes editores seguiram mantendo na Ática os princípios básicos da série, como Fernando Paixão, Carmen Lúcia Campos, Marina Appenzeller, além de dezenas de colaboradores e professores e milhares de estudantes que colaboraram por muitos anos para que a série Vaga-Lume ilumine um pouco o ambiente da leitura no país. Neste momento, quando sabemos da aprovação da Lei Castilho, reina uma expectativa de que a leitura e a escrita façam um país em que a palavra interfira de modo efetivo em seu destino.

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Jiro Takahashi

É editor e professor há cinquenta anos. Atuou na direção editorial da Ática, Nova Fronteira, Editora do Brasil, Ediouro, Grupo Rocco e Nova Aguilar, onde atualmente é diretor executivo. Fundou a Editora Estação Liberdade, que dirigiu de 1990 a 1996. Mestre em Linguística/Semiótica Literária pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, é professor universitário, lecionando atualmente nos cursos de letras e pedagogia da Universidade Kroton. É diretor acadêmico da área editorial da Casa Educação/Instituto Singularidades.

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