ENTREVISTA: GABRIELA PEDRÃO – LITERATURA INFANTOJUVENIL E BIBLIOTECAS

Por Juliana Muscovick - 30 jun 2021 - 10 min

A formação educacional das crianças e dos jovens passa pelo contato com a literatura infantojuvenil, e seu acesso, muitas vezes, se dá por meio das bibliotecas escolares. Esse foi o caso da nossa entrevistada, Gabriela Pedrão, bibliotecária e doutora em Ciência da Informação pela Unesp. Ela atua em biblioteca escolar há dez anos e há sete é produtora de conteúdo do canal É o último, juro!’, onde faz resenhas de livros e fala sobre assuntos relacionados à literatura, biblioteconomia e tudo mais que envolva a formação leitora. É também mediadora do Clube do Livro da Fundação do Livro e Leitura de Ribeirão Preto e já foi laureada com o prêmio Laura Russo de Biblioteconomia em 2017.

A partir da trajetória inspiradora de Gabriela, que teve uma infância repleta de livros, vamos descobrir por que a literatura infantojuvenil, aliada à biblioteca, é tão fundamental?

Coletivo Leitor: Qual foi a sua primeira relação com os livros infantojuvenis? Qual é a importância deles na sua vida?

Gabriela Pedrão: Eu tive uma infância muito leitora. Meus pais são professores – minha mãe é professora-pedagoga, trabalhou a vida inteira na rede pública em Ribeirão Preto, e meu pai é professor no Ensino Superior. Sempre tive uma infância rodeada de livros, fui muito incentivada a ler e frequentei muito a biblioteca da escola onde minha mãe dava aula, e ela sempre trazia muitos livros para mim. Eu também tinha uma relação próxima com a professora que trabalhava na biblioteca e na sala de leitura. 

No começo da alfabetização me aproximei muito dos gibis. Sempre gostei muito, colecionava gibis antigos e depois passei para os livrinhos. A leitura sempre foi muito presente e fundamental na minha construção como criança e até no brincar, que sempre foi muito recheado de literatura. Alguns dos meus livros favoritos são os da série da Bruxa Onilda [Enric Larreula e Roser Capdevila, Editora Scipione], muito presente na minha infância.

Coletivo Leitor: O que te levou a estudar Biblioteconomia?

Gabriela Pedrão: Na verdade não foi uma escolha de muito tempo antes. Sempre fui uma aluna de área de Humanidades e, na época do vestibular, tinha a pretensão de prestar para História. Só que o curso não era em Ribeirão Preto – e minha mãe tinha aquela preocupação de eu ir para outra cidade, morar sozinha. Eu não tinha vontade de prestar para um curso da USP em São Paulo. A USP tinha um campus em Ribeirão, mas nada me interessava. Então, a gente comprava umas revistas da Fuvest para ver os cursos e quem achou o de Biblioteconomia, que na época em Ribeirão se chamava Ciências da Informação, Documentação e Biblioteconomia, foi minha mãe. “Tem tudo a ver, você sempre foi leitora, organizada, tem algo aí que faz sentido”, ela dizia. Acabei prestando para Biblioteconomia e História, acabei passando em Biblio e me apaixonei logo no primeiro semestre. 

Apesar de não ter sido algo que eu sonhava, foi realmente algo com o que me identifiquei muito. Desde o princípio me apaixonei e continuei assim até o final da graduação, depois do mestrado e do doutorado. 

Coletivo Leitor: Cite três autores e três livros infantojuvenis que te marcaram.

Gabriela Pedrão: A série toda da Bruxa Onilda [Enric Larreula e Roser Capdevila, Editora Scipione] me marcou muito. Lembro que eu os pegava frequentemente na biblioteca da escola e tive esse privilégio de, durante a infância, estudar em uma escola que tinha uma biblioteca escolar e uma bibliotecária trabalhando nela. Na época que eu fiz Ensino Fundamental I não era comum ver bibliotecários formados em escolas. Então, eu pegava, devolvia, pegava algum outro livro e tornava a pegar novamente a Bruxa Onilda. Adorava as páginas que a gente passava rapidinho, as que a coruja mexe!

Outro livro que me marcou muito foi O que conta no faz de conta [Editora Paulus], do Elias José. Esse livro foi uma experiência muito bacana, que foi adotado quando eu estava na 2ª série como um paradidático na época, e a escola conseguiu que a gente tivesse um encontro com o Elias José. Ele foi até lá, conversou com a gente e autografou todos os livros – tenho o meu até hoje. 

Por fim, O fantástico mistério de feiurinha [Pedro Bandeira, Editora Moderna] foi um livro que li enquanto criança e adorava a história, li e reli várias vezes também. O curioso é que esse foi um livro que eu nunca tive, eu o lia na biblioteca, sempre emprestado. E muitos anos depois, no Ensino Médio, a gente fez uma adaptação teatral dessa história que foi muito bacana, apresentamos várias vezes na escola e foi o maior sucesso. E foi um prazer enorme pra gente descobrir relendo e revivendo e representando uma história que marcou a nossa infância, minha e das minhas amigas na época – que são amigas até hoje. Foi muito especial para mim tanto na infância, na adolescência quanto na vida adulta.

Tenho hoje enquanto bibliotecária escolar alguns autores favoritos, que gosto muito de ter na biblioteca e trabalhar. Um deles é o Oliver Jeffers. Acho tudo muito tocante, que dá pra trabalhar diversos aspectos e diversas facetas da escola, na parte social, sentimental, escolar, pois é muito completo nas temáticas.

Coletivo Leitor: Na sua opinião, qual é a importância da leitura para o público infantojuvenil?

Gabriela Pedrão: É vital, faz toda a diferença na formação do leitor, do cidadão na sociedade, no desenvolvimento de olhar crítico, na forma como a gente pensa, na nossa criatividade. A literatura e a leitura nessa fase, desde o começo da alfabetização até depois do Ensino Médio, é muito importante porque ela é uma válvula de escape para as épocas de vestibular, com as leituras obrigatórias; na adolescência, com os conflitos. A literatura traz um acolhimento que é muito importante, principalmente quando é aliada à biblioteca escolar, que é a experiência e o local de leitura, espaço onde acontece a identificação, o incentivo, o desenvolvimento do hábito. É um lugar de acesso democrático. 

Coletivo Leitor: Como iniciou o seu canal e decidiu se tornar booktuber?

Gabriela Pedrão: O canal começou de uma forma muito despretensiosa. No final do mestrado, me senti muito vazia, todo aquele trabalho acabou deixando um vazio mesmo, então comecei a pensar sobre alguma ação, uma atividade que preenchesse o meu tempo e me ajudasse a retomar os meus hábitos de leitura literária, que tinham ficado um pouco de lado por conta das leituras técnicas do mestrado. Aí veio a ideia de criar o canal, que também era uma forma que pensei para divulgar leitura e literatura na biblioteca onde eu trabalhava. Eu comentava muito com os alunos que eu tinha um canal e que lá resenhava obras que tinham na biblioteca. Foi algo sem muitas intenções, sem o objetivo de torná-lo um trabalho grande, começou bem livremente. Conforme foi crescendo, fui trazendo outras resenhas, temas e hoje tem um pouquinho de biblioteconomia, de pós-graduação, e tem bastante de literatura, que é o que eu mais gosto lá. 

Coletivo Leitor: Você acha que as plataformas de vídeo podem ser uma ferramenta para popularização da leitura, principalmente para as crianças e jovens?

Gabriela Pedrão: Sim, com certeza. Hoje estamos muito conectados, não só quando falamos de jovens. Passamos muito tempo em redes sociais, consumimos muito a internet. Acredito que se esses conteúdos estiverem na internet tornam-se uma influência e uma ferramenta de popularização. Lá é possível encontrar literatura e ter pessoas falando sobre ela de uma forma descontraída, leve, então considero algo muito importante e uma ferramenta forte de popularização da leitura.

Coletivo Leitor: Qual é o papel da escola na formação literária dos alunos? Como o bibliotecário pode se tornar figura-chave na formação literária dos alunos?

Gabriela Pedrão: A escola tem papel fundamental para além das obras didáticas e paradidáticas, mas de formação de leitores e de incentivo. A biblioteca é um espaço muito importante dentro da escola e do projeto pedagógico dela, é um espaço de liberdade, que talvez os outros locais não ofereçam. Dentro da sala de aula há o currículo, a grade e um projeto pedagógico que tem que ser cumprido. O professor não tem muito tempo por conta do dia a dia corrido, então a biblioteca tem esse espaço de liberdade, onde o estudante vai e pode escolher por si, se identificar com alguma coisa que talvez não esteja dentro das disciplinas abordadas. Ele pode escolher livremente o tipo de literatura, o tamanho do livro, o tempo que ele vai ficar no local. Por mais que tenha um controle de empréstimo, nada impede que ele possa ser renovado. Na biblioteca, ele tem o seu próprio tempo de leitura, que é muito pessoal e individual, e pode ser diferente do tempo de leitura dentro da sala de aula.

A biblioteca e o bibliotecário são peças-chave na formação literária dos alunos, no incentivo à leitura. Eu como bibliotecária tenho o papel fundamental de incentivo e de tentar desmistificar e tirar rótulos da literatura, por exemplo, “o clássico é o melhor livro que você pode ler”, ou que se deve “ler o livro até o final”. Acho que não, a leitura é uma construção e a gente vai vendo que obra faz mais sentido para cada um, é direito do leitor ler o que realmente faz sentido para ele. Aí também está a importância de um acervo diversificado, com o qual essas crianças e jovens se identifiquem, que seja um espelho de si quando a gente fala de escolas e comunidades que sejam vulneráveis, em locais periféricos. Esse acervo tem que espelhar esses alunos, suas vidas e falar por eles. Já quando falamos de escolas de elite, que o acervo não seja um espelho, mas um incentivo para conhecer um pouquinho além daquela esfera.

A biblioteca tem um papel muito sensível de identificação, de espelhar e, ao mesmo tempo, provocar e trazer o novo. Tudo isso, infelizmente, o professor não consegue fazer em tempo hábil dentro da sala de aula, mas na biblioteca é possível, já que é um espaço de acesso democrático e de liberdade. 

Entre os livros favoritos da Gabriela, quando criança, está a saga da Bruxa Onilda, série clássica presente em nosso acervo (com 16 publicações ao todo), lançada pelo selo Scipione. Vamos conhecer mais essa bruxa que continua encantando gerações?

Bruxa Onilda, de Enric Larreula e Roser Capdevila 

A Bruxa Onilda é a personagem principal de uma série de histórias dos autores catalães Enric Larreula e Roser Capdevila, que narram as aventuras dessa bruxa que, apesar de seus poderes mágicos, sempre acaba se metendo em atrapalhações para lá de engraçadas. 


Juliana Muscovick

Juliana Muscovick é editora do Departamento de Literatura Infantojuvenil da SOMOS Educação. Formada em Letras, História e com especialização em jornalismo, trabalha na área editorial desde 2010 e sempre se aventurou pelos caminhos das letras, da cultura, da educação e das artes.

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