Dom e Compromisso: livros para a Campanha da Fraternidade

Por Coletivo Leitor - 03 abr 2020 - 6 min

No próximo domingo, dia 5 de abril, comemora-se em todo o mundo católico o Domingo de Ramos, data que lembra a entrada solene de Jesus em Jerusalém e marca o começo da Semana Santa, preparando os cristãos para reviver a Paixão, a Morte e a Ressurreição de Cristo.

Durante os quarenta dias que antecedem a Páscoa, os cristãos vivenciam a Quaresma, o tempo mais forte e marcante do Ano Litúrgico e que já está enraizado no DNA do mundo cristão. Desde a antiguidade é visto como um período de penitência, no qual se acentuam os momentos finais da vida de Jesus Cristo.

Mesmo aqueles cristãos católicos que não são tão praticantes, no tempo quaresmal se propõem a fazer algum pequeno sacrifício, deixam de comer ou fazer algo de que gostem, se abstêm de carne, dentre outros tantos pequenos sacrifícios. Esse costume está tão radicado no inconsciente do mundo cristão que se faz presente inclusive nas artes, na literatura e no cinema. Poderíamos apontar, por exemplo, a obra Chocolat, da escritora britânica Joanne Harris, que foi adaptada para o cinema no belíssimo filme Chocolate e conta a história de uma mulher (interpretada pela atriz francesa Juliette Binoche) que abre uma chocolataria numa pequena cidade da França em plena Quaresma, despertando, assim, a ira dos conservadores habitantes locais.

Embora a tônica penitencial da Quaresma esteja presente até hoje na vida dos cristãos, a Igreja Católica, a partir da renovação do Concílio Vaticano II, compreende a Quaresma como um “tempo favorável” para a redescoberta e o aprofundamento do discipulado dos cristãos. É espaço para um novo nascimento, momento propício para avaliar as opções de vida e linhas de trabalho, para corrigir os erros e aprofundar a dimensão ética da fé, para assim abrir-se aos outros e realizar ações concretas de solidariedade. É um tempo também de renovação espiritual, um “retiro pascal”, pautado no trinômio: oração, jejum e caridade. A oração deve tornar-se um diálogo amoroso com Deus que proporciona um aprofundamento da intimidade com Ele; o jejum deve superar a dimensão apenas de renúncia e abstinência e ser reinterpretado como partilha de vida representada pelo alimento corporal; a caridade deve ultrapassar o simples assistencialismo e tornar-se a atitude daqueles que transformam a sua vida em dom e serviço.

Para ajudar na caminhada quaresmal, a Igreja Católica no Brasil oferece, a cada ano, um aprofundamento da prática cristã por meio da Campanha da Fraternidade. Em 2020, a Campanha proclama que a vida é dom e compromisso! Seu sentido consiste em ver, solidarizar-se e cuidar. A intenção é levar as pessoas a abrir os olhos do coração, ver a realidade, sentir compaixão com o próximo e principalmente com os que se encontram em momentos de dificuldade. Ter cuidado e sentir compaixão não é sentir dó ou pena, mas sim colocar-se no lugar do outro, sentir com ele, fazer comunhão.

“Viu, sentiu compaixão e cuidou dele” (Lc 10, 33-34)

O lema proposto, é parte da parábola proposta por Jesus em seu caminho de subida a Jerusalém, na qual explica a um “doutor da lei” o que seria necessário fazer para entrar na vida eterna. Esse tipo de questionamento era muito comum naquele tempo, já que existiam mais de 613 leis (as quais os judeus seguem até hoje) e outras prescrições pontuais a serem cumpridas para se chegar a esse fim. A Jesus não interessava inserir um novo ensino teórico sobre os deveres em relação ao mandamento do amor a Deus e ao próximo.

Na parábola contada por Jesus, um homem, vítima de salteadores, é deixado quase morto à beira da estrada. Dois homens vindos do Templo – o sacerdote, responsável pelos sacrifícios, e o levita, responsável pela liturgia – passam por ele e agem com indiferença (pois estavam voltando de uma semana inteira de serviço no templo, estando, portanto, em grau máximo de “pureza”, e não queriam se contaminar). Todavia, um samaritano (considerado pelos judeus impuro, pecador) que passava, ao ver o homem, sentiu compaixão.

O sentimento nasceu do seu modo diferente de olhar e de perceber aquela realidade. Essa compaixão o levou a se aproximar do homem, gastar tempo, modificar parcialmente sua viagem, tudo para não ser indiferente com aquele que sofria diante dele. Tal atitude, vinda de quem menos se esperava, contém a essência do ensinamento de Jesus: o próximo não é apenas alguém com quem se tem vínculos, mas todo aquele que sofre diante de nós. Não é a lei que estabelece as prioridades, mas a compaixão que impulsiona a fazer pelo outro aquilo que é possível, rompendo assim, com a indiferença.

A vida oferece a oportunidade de concretizar a fé em atitudes bem específicas. Para perceber os outros, principalmente em suas necessidades, não bastam conceitos; é necessário ter compaixão e solidariedade sem questionar quem é o receptor. A medida do amor para com o próximo não é estabelecida com base em crença religiosa, grupo social ou visão de mundo, e sim pela necessidade do outro. Abre-se, assim, uma nova perspectiva nos relacionamentos, excluindo-se a indiferença diante da dor alheia.

O olhar expressa verdades e mentiras, amor e ódio, alegria e tristeza. O olhar que vê e passa adiante representa toda a indiferença e o desprezo pela vida do outro, enquanto o olhar de compaixão exprime o mais alto grau de amor.

A compaixão foi a virtude que a primeira santa brasileira, Santa Dulce dos Pobres, buscou viver em toda a sua vida, dedicando-se aos doentes e necessitados, abrindo mão da própria vida. Mulher corajosa, boa samaritana no meio em que viveu, Irmã Dulce é exemplo de fé, amor, cuidado com a vida e compromisso cristão com aqueles que mais necessitam. E é justamente por isso que ela foi escolhida para ilustrar o cartaz da Campanha da Fraternidade 2020.

O olhar de compaixão, o exemplo de Irmã Dulce e a solidariedade podem e devem ser ensinados e exercitados desde a mais tenra infância. E sempre é tempo de aprender. Nesse processo, a Literatura pode ser uma forte aliada; por isso, fizemos uma seleção de livros que mostram diferentes situações alinhadas ao tema e ao lema da Campanha da Fraternidade 2020.

O Domingo de Ramos propõe que se faça uma profunda conversão da cultura da morte para a cultura da vida, e a Campanha da Fraternidade 2020 chama os cristãos a ouvir o clamor dos que sofrem humilhações por tantos abusos e injustiças, mas esperam a libertação.

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Imagem de capa: Entrada em Jerusalém, de Giotto di Bondoni (1267-1337). Capella degli Scrovegni, Itália.