Contribuições da neurociência para o desenvolvimento das crianças

Por Maria Angela Diaféria - 12 dez 2018 - 5 min

Uma boa história e tantas releituras — Por que as crianças gostam tanto de repetições?

Para as crianças, uma boa história nunca deve ser vivida uma única vez; e isso tem uma explicação.

Pense no seu filme ou desenho infantil favorito. Aquele com personagens incríveis que viveram tantas e tantas aventuras ao seu lado. Você se lembra de como era bom sentar no sofá da sala e rever aquelas histórias uma, duas, dezenas de vezes? Ou ainda de como era mágico mergulhar nas páginas do seu livro predileto, voltando ao primeiro capítulo logo que você alcançava o tão aconchegante “Fim”? Para as crianças, uma boa história nunca deve ser vivida uma única vez; e isso tem uma explicação.

A repetição é uma das formas com que a criança se sente segura, garantindo previsibilidade em um mundo tão incerto, no qual tudo é uma eterna novidade. Assim, uma história relida é um momento de calmaria, num dia em que tantas novas informações são apresentadas aos pequenos. Por isso, os filhos pedem aos pais que leiam e releiam os mesmos livros, noite após noite, e apreciam muito rever seus desenhos animados favoritos na televisão.

Isso acontece porque a noção de tempo da criança é totalmente diferente da percepção do adulto, em especial para as crianças mais novas. Para uma criança de 2 anos, por exemplo, que ainda está numa “fase egocêntrica”, ela possui uma errônea impressão de que os acontecimentos giram em torno do seu próprio ser, e, portanto, sua noção de tempo e dos acontecimentos é prejudicada.

A criança nessa tenra idade está naquela fase em que utiliza todos os seus sentidos (olfato, paladar, tato etc.) para compreender e vivenciar o mundo ao seu redor. O tempo, por não ser tangível ou palpável, acaba sendo percebido de forma distinta daquele dos adultos, contribuindo para que a repetição garanta uma confiabilidade nos eventos futuros e na previsão dos acontecimentos ao redor da criança.

Dessa forma, podemos utilizar a repetição como uma valiosa técnica de aprendizagem, possibilitando a compreensão de novos conteúdos e o desenvolvimento de habilidades nas crianças, principalmente quanto à sequência lógico-temporal. A repetição também auxilia na criação de rotina na vida da criança, contribuindo para um sentimento de conforto e segurança, a partir de horários pré-definidos para refeições, tarefas cotidianas e diversões e, assim, permitindo à criança compreender o decorrer do tempo, das horas e dos dias em sua rotina.

A repetição é uma das formas com que a criança se sente segura, garantindo previsibilidade em um mundo tão incerto.

Por isso, leia sempre para suas crianças, alunas e alunos, ouvintes em geral, aquele livro favorito, quantas vezes lhe for solicitado, mas aproveite também para inserir aos poucos novas histórias e conteúdos ao dia a dia da criança, pois isso ampliará seu conhecimento e contribuirá também para o seu desenvolvimento.

Veja abaixo sugestões de obras incríveis do gênero conto de repetição para desafiar os leitores a permanecer em contato constante com a leitura literária:

 

Cada macaco no seu galho, de Anna Flora

Uma história que relaciona matemática com meio ambiente, por meio dos macacos — sem ser científica e sem termos abstratos. As crianças vão ter noções de matemática, pois terão de contar os macacos. Além disso, refletirão um pouco sobre ecologia. Compreenderão como o ser humano pode desequilibrar o meio ambiente e causar uma grande confusão, mexendo no espaço dos macacos. Se cada macaco tem o seu galho, imaginem o que acontece quando os galhos de uma árvore, de árvores inteiras, são cortados!

 

A casa sonolenta, de Audrey e Don Wood

Numa casa sonolenta, com uma cama confortável, todos vivem dormindo. As repetições no texto dão o tom sonolento, que é interrompido por uma pulguinha acordada.

 

Como surgiram os vaga-lumes, de Stela Barbieri e Fernando Vilela

Uma estrelinha adorava pular entre as nuvens do céu. Preocupada, sua mãe aconselhou-a a não fazer mais aquilo, pois ela poderia cair na terra pelos buracos entre as nuvens. A estrelinha concordou em não pular mais, mas antes quis se despedir da gostosa brincadeira. Justo no seu último pulo, ela passa bem no meio de um buraco e cai perto de uma floresta. Na terra, a estrelinha conta sua triste história a vários bichos tentam ajudá-la, cada um à sua maneira. Curiosamente, os únicos que conseguem levá-la de volta são as moscas.

 

O lobo não morde, de Emily Gravett

O que pode acontecer quando os três porquinhos capturam o Lobo Mau e fazem dele a principal atração de seu espetáculo? Nesta adorável versão de Os três porquinhos, Emily Gravett mostra com suas primorosas ilustrações tudo o que os frágeis personagens desse clássico podem fazer quando seu rival está sob seu controle. Agora o lobo será lançado aos ares por canhões e montado como um cavalo, além de ter que ensaiar passos de dança e saltar entre os aros. Resta saber por quanto tempo ele vai aguentar tantas provocações…

 

O que é que te diverte?, de Eliardo França

Histórias que conhecemos de trás para a frente e de frente para trás ganham nova vida com estas imagens fascinantes, acompanhando textos bem construídos, poéticos e cheios de humor. Uma leitura deliciosa!

Maria Angela Diaféria

Mestre em Educação pela Universidade de Coimbra (Portugal), licenciada em Pedagogia e pós-graduada em Psicopedagogia, com especialidade em Linguística, Distúrbios de Aprendizagem e Neuroeducação, atua há mais de vinte anos na área educacional, como professora, em todos os segmentos da Educação Infantil e anos iniciais, coordenadora pedagógica e orientadora educacional, em colégios da rede particular de São Paulo e da Fundação Bradesco. Com dez anos de experiência no mercado editorial, atualmente é gestora de Treinamento e Desenvolvimento Comercial na Somos Educação.

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