Cada movimento literário em seu tempo: Como despertar o interesse do jovem leitor pelos clássicos?

Por Ivan Jaf - 23 jan 2019 - 5 min

As formas narrativas se modificam com o passar do tempo. Quando determinados estilos apresentam características comuns, dividem-se em fases que dão origem a  “escolas literárias”. A literatura brasileira costuma ser ensinada nas escolas por meio dessas fases. Entretanto, para que os alunos sentissem mais interesse pela literatura, deveria existir uma maneira mais explícita de demonstrar a ligação entre a fase pela qual passa a “forma” de narrar e o seu momento histórico.

Por exemplo, uma letra de rap nos dias atuais é bem compreendida pelos jovens de hoje, uma vez que  estão vivenciando a própria época em que esse estilo está sendo produzido. Seguindo esse raciocínio, o contexto social em que Aluísio Azevedo viveu o levou ao Naturalismo. Dessa forma, seria importante, para o melhor entendimento dos diversos movimentos literários, que os alunos tivessem acesso também à biografia do autor, humanizando e desmitificando o cânone, estabelecendo, assim, uma ligação afetiva entre ele e os jovens leitores de hoje.

As fases literárias são processos vivos, por isso estão em constante mutação. Um estilo morre, outro nasce.

Que motivações levaram Aluísio Azevedo a escrever O cortiço? Em que condições e como surgiu a ideia de escrever o livro? O que se pensava sobre literatura na época? O que liam os intelectuais, os estudantes, o povo? O que era considerado ultrapassado? Que novidades chegavam da Europa? Quais eram seus ídolos literários? O que o movimento artístico discutia? As intrigas. A política. Os sucessos. Quais os pontos de encontro? Os cafés? As livrarias? Os jornais? Como se pagavam os direitos autorais? Quais editoras existiam? Quanto custava um livro? Quais eram as tiragens?

As fases literárias são processos vivos, por isso estão em constante mutação. Um estilo morre, outro nasce. Mas as obras permanecem nas estantes. Os livros podem ser lidos em qualquer tempo.

Literatura e história: uma relação pulsante

Porém, se o interesse não for estimulado por um mediador, que pode ser o próprio professor de Língua Portuguesa, o jovem leitor se pergunta, com toda a razão: para que fazer isso? Por que ler um folhetim romântico do século XIX se aqueles ideais femininos hoje são até considerados politicamente incorretos? Por que ler um épico de 8.816 versos decassílabos heroicos exaltando a potência colonial que nos espoliou por séculos? Por que não ler apenas o que se escreve atualmente?

Uma das possíveis respostas a essas perguntas pode ser: para adquirir conhecimento histórico. Os fatos estão nos livros de História, mas é na Literatura que temos a oportunidade de vivenciar o passado.

Outra resposta pode ser: para expandir a consciência do leitor com narrativas e personagens fora de seu cotidiano, distantes no tempo e no espaço.

Eu gostaria de acrescentar uma terceira resposta: para ampliar vocabulário.

Adquirir vocabulário, conhecer as palavras e seus significados não é um capricho intelectual, uma maneira arrogante de deixar claro que se pertence à elite privilegiada ou uma dica para tirar nota boa na redação do Enem. É uma estratégia imprescindível para a evolução individual.

A leitura pode impedir que sejamos considerados loucos

Não concordo com a tese de que o aluno deve ler apenas por prazer. É preciso ler livros para adquirir conhecimento e vocabulário. Certas palavras só serão encontradas num sermão do Padre Antônio Vieira, num conto erudito do Machado de Assis, numa descrição de paisagem alucinadamente romântica de José de Alencar ou numa cena de amor científico-determinista-positivista e muito estranha (para nós) de um Aluísio Azevedo.

Conhecer poucas palavras é como entrar numa guerra sem munição.

O ensino de literatura brasileira, em todas as suas fases, não é entretenimento. É estudo. E talvez o mais necessário para a vida. Podemos seguir em frente sem conhecer a tabela periódica dos elementos químicos ou sem saber resolver uma equação do 2º grau, mas com um vocabulário pobre nossas possibilidades de desenvolvimento estarão sempre limitadas. Conhecer poucas palavras é como entrar numa guerra sem munição.

É na literatura brasileira que vamos acessar o Arquivo Completo de Palavras da Língua Portuguesa.

Em certos casos, portanto, ter um bom vocabulário pode até evitar que a gente vá parar num hospício.

Meu tio Osman lia dicionários como se fossem romances, de A a Z. Faz sentido. Isto é, todas as palavras estão lá, com seus significados ao lado. Eu prefiro a literatura. Com o propósito certo, encontro prazer até em um longo poema árcade de Cláudio Manuel da Costa.

Um psiquiatra me disse que certos pacientes não conseguem expressar o que sentem por falta de vocabulário. Em certos casos, portanto, ter um bom vocabulário pode até evitar que a gente vá parar num hospício.

Ivan Jaf

Ivan Jaf nasceu em 1957, no Rio de Janeiro. Estudou Filosofia e Jornalismo. Além de autor de mais de 60 livros de ficção, é dramaturgo, roteirista de histórias em quadrinhos e de cinema. Recebeu diversos prêmios, como os de Melhor Curta-Metragem Brasileiro (7o Festival de Cinema Brasileiro de Paris 2005), Melhor Curta-Metragem (Festival Cinema Brasil in Tokyo 2007), União Brasileira de Escritores em 2003, Sundance em 1998, duas vezes finalista do Prêmio Jabuti, indicações ao troféu HQMIX, vários prêmios da FNLIJ, etc.

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