BEST-SELLER X LONG-SELLER

Por Marcio Coelho - 04 ago 2021 - 6 min

Era uma tarde normal para a época, sem pandemia mas com ditadura, quando minha mãe, que cursou até a 7ª série — hoje o 8º ano do ensino fundamental —, me entregou um pacote que eu achei que fosse um brinquedo. Pelo formato vi que não era uma bola, o que lamentei muito. Abri o pacote num misto de curiosidade e desânimo e vi o primeiro livro que li, Reinações de Narizinho. Eu ganhar um livro de presente da minha mãe que não lia quando eu tinha 7 anos de idade tem o que a ver com a comparação entre best-seller long-seller? Tudo. 

O livro fazia parte do Círculo do Livro, uma editora brasileira fruto de uma parceria entre o Grupo Abril (lembra dele?) e a editora alemã Bertelsmann. Nascia ali, em 1973, um clube de assinatura de livros que em 1982 vendeu 5 milhões de exemplares. Isso mesmo, em 1982 o Círculo do Livro vendeu 5 milhões de exemplares. Em 1983 já eram 800 mil sócios (a TAG Livros tem em torno de 60 mil). Tudo isso pra dizer que os best-sellers daquela época eram vendidos em 2.850 municípios brasileiros no sistema porta a porta, a uma média de mais de 400 mil exemplares por mês, escolhidos num catálogo impresso. Louco, né? Ah, sem as empresas do Zuckerberg nem site para ajudar.

As livrarias — se hoje são poucas, imagine na época — não eram como hoje. Funcionavam mais ou menos como uma loja com os produtos atrás do balcão e você os escolhia de longe e pedia ao vendedor ou à vendedora para pegar o livro para avaliar se compraria. Até que a finada livraria Siciliano resolveu “democratizar” os livros e chegamos no modelo que conhecemos. As livrarias ou pontos de venda eram escassos e não ajudavam tanto nas vendas. Ainda assim, havia os best-sellers, sem listas de Publishnews,Veja e outros.

Sou editor há mais de 20 anos e professor de cursos para o mercado editorial. Muitas vezes já me perguntaram qual a fórmula para tornar um livro best-seller e minha resposta é sempre a mesma: não há. Se há, não conheço. Você diria que um livro com um “foda-se” na capa seria campeão de vendas? E o outro com a palavra “diabo” num país católico como o nosso? Podemos ainda lembrar dos livros de colorir, que salvaram o mercado editorial em 2015, chegando a faturar mais de 25 milhões de reais em seis meses de vendas. É isso, não tem fórmula ou receita, mas eles existem.

Um fenômeno tão interessante quanto os best-sellers são os long-sellers. Interessante porque um livro como Dom Quixote, escrito no século 17, já vendeu 500 milhões de cópias (estima-se) e continua vendendo. A lista aqui pode amentar se falarmos de Agatha Christie, Tolkien, Rowling, Machado de AssisPaulo Coelhoe muitos outros. Você leu O pequeno príncipe? É um livro de 1943 — ainda estávamos na Segunda Guerra Mundial — e continua vendendo. Já bateu a marca de 140 milhões de exemplares vendidos. Se fizermos uma conta rápida, são 78 anos de vida, 936 meses, isso dá uma média de mais de 149 mil exemplares por mês até hoje. Editor fazendo conta é meio duvidoso, por isso, se errei, me avisem. =)

Outro marco dos long-sellers é O apanhador no campo de centeio, do Salinger. Foi lançado em 1951 e estima-se que já tenha vendido 65 milhões de cópias. Fique à vontade para as contas. É o livro que inspirou o assassinato de John Lennon, segundo palavras do próprio Mark Chapman. Além disso, o atirador que tentou matar Ronald Reagan disse que tirou as ideias do mesmo livro. Por essas e outras, Salinger se isolou do público e da mídia e quase não escreveu mais nada. Mas o livro parou de vender por isso tudo? Não, pelo contrário.

Esses fatos e histórias envolvendo os best-sellers e os long-sellers mostram, mais uma vez, que não há medida nem fórmula mágica para o sucesso dos livros. Recentemente, numa conversa com amigos, eu dizia que minha vida é pautada pelo caos e pelo acaso. Claro que faço planos e me preparo, mas o caos e o acaso sempre vencem. Há editoras fortes como Companhia das Letras e Sextante, só para ficarmos com dois exemplos, que acertam mais a mão e acabam emplacando livros bem vendidos, mas assistindo a uma conversa rápida com os proprietários pude entender que eles erram demais também. Erram muito mesmo. Como são grandes e têm poder, inclusive financeiro, conseguem acertar bastante. 

Editoras poderosas conseguem uma manobra interessante, tendo um profissional de olho no que acontece no mundo, o scout. Imagine a seguinte situação. Você mora nos Estados Unidos ou na Europa e conhece pessoas ligadas à cultura de maneira geral. Uma dessas pessoas que você conhece contou que a atriz Dakota Johnson vai protagonizar um filme chamado Cinquenta tons de cinza e que a Bloom Books, editora americana, já comprou os direitos para os Estados Unidos, porque o livro certamente estará no topo da lista do New York Times. A editora está querendo fazer um leilão para vender os direitos para o Brasil, mas se uma editora chegar antes e fizer uma proposta boa fica com o título. História conhecida?

Todos os livros mencionados aqui servem para exemplificar o contexto da grande diferença entre as duas extremidades mencionadas. Sempre procuro apontar caminhos mais fáceis, pelo menos no meu julgamento, para entendermos os assuntos. Aqui, podemos pensar o seguinte: best-seller é aquele boominicial, frenesi, corre-corre, agitação, ida às livrarias mais rapidamente, consulta às redes sociais; long-seller é aquele livro na estante que você sempre consulta ou lê, é o livro que desperta conversas mais longas, que desperta discussões na mesa de um bar, que seu avô leu e disse “leia, você vai gostar, quase um clássico. Aliás, os clássicos são long-sellers, mas nem sempre um best-seller se torna um clássico.

Marcio Coelho

Marcio Coelho começou sua carreira como revisor na antiga editora Siciliano, passou por muitas editoras como Saraiva, Nova Fronteira e Ediouro. Trabalhou na TAG – Experiências Literárias, prestou consultoria para clubes de assinaturas de livros, é professor de cursos voltados ao mercado editorial e editor de livros didáticos. Além de viver de livros há mais de duas décadas, é apaixonado por eles.

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