A diversidade sexual e a Literatura Infantojuvenil

Por Coletivo Leitor - 11 set 2019 - 5 min

O incidente recente na Bienal Internacional do Livro no Rio de Janeiro em torno de uma HQ (A cruzada das crianças, da série Vingadores da Marvel) com uma cena de beijo entre dois rapazes agitou o meio editorial e ganhou as páginas dos jornais. 

Muitos destacaram o fato de que a ordem de recolhimento do gibi, supostamente apoiada no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), pode mascarar uma atitude preconceituosa, pois em momento algum o ECA caracteriza as manifestações homoafetivas como impróprias para a infância e a juventude. 

Porém, à parte as implicações legais, cumpre indagar: o que as manifestações artísticas destinadas ao público infantojuvenil, em especial a literatura, têm a ganhar quando se abrem à representação da diversidade sexual e afetiva, ou quando desnaturalizam os estereótipos de gênero?

Coisa de menino ou coisa de menina?

Estereótipos sobre o que é “coisa de menino” (ou “de menina”), bem como sobre as formas aceitáveis de expressão do desejo e do afeto não são neutras: elas têm valor prescritivo, isto é, definem uma norma, e também proscritivo, condenando ao silêncio e à invisibilidade, quando não reprimindo, tudo o que desvia ou se afasta dessa norma socialmente construída. 

Um dos principais benefícios da expressão artística liga-se à possibilidade de oferecer ao leitor/expectador a oportunidade de se colocar no lugar de um outro, de assumir, mesmo que apenas por alguns instantes, outra identidade. Graças à ficção, experimentamos a vertigem de ter outra idade, de pertencer a outra classe social, viver em outro tempo ou espaço, percebendo um fundo comum de humanidade subjacente a todas essas possibilidades. Assumir ficcionalmente o lugar de um outro constitui uma forma de melhor entendê-lo e respeitá-lo.

A empatia na BNCC

Não por acaso a empatia, valor subjacente aos mecanismos de identificação que sustentam a fruição artística, é mencionada diversas vezes na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Ela aparece como uma das competências gerais a ser desenvolvida ao longo de toda a formação escolar (“Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza”), como objetivo de aprendizagem da Educação Infantil (“EI03EO01: Demonstrar empatia pelos outros, percebendo que as pessoas têm diferentes sentimentos, necessidades e maneiras de pensar e agir”), como habilidade necessária no Ensino Fundamental (“EF09HI26: Discutir e analisar as causas da violência contra populações marginalizadas – negros, indígenas, mulheres, homossexuais, camponeses, pobres etc. – com vistas à tomada de consciência e à construção de uma cultura de paz, empatia e respeito às pessoas) e também como competência específica no Ensino Médio (“Compreender os processos identitários, conflitos e relações de poder que permeiam as práticas sociais de linguagem, respeitando as diversidades e a pluralidade de ideias e posições, e atuar socialmente com base em princípios e valores assentados na democracia, na igualdade e nos Direitos Humanos, exercitando o autoconhecimento, a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, e combatendo preconceitos de qualquer natureza).

Direitos Humanos e a diversidade sexual

Ainda no que se refere ao nexo entre Direitos Humanos e respeito à diversidade sexual, pode-se também lembrar do Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT (disponível aqui) que, já há uma década, propunha como estratégia de defesa e proteção dos direitos da população LGBT a inclusão “nos programas de distribuição de livros para as bibliotecas escolares obras científicas e literárias que abordem as temáticas de gênero e diversidade sexual para os públicos infantojuvenis e adultos”.

Nessa medida, a oferta de livros (histórias em quadrinhos, álbuns ilustrados, narrativas visuais etc.) que desde cedo descortinem para a criança, de modo sensível, a diversidade de expressões da sexualidade e de padrões de gênero constitui menos um risco ao seu desenvolvimento sociopsíquico e mais uma vantagem rumo à aquisição de atitudes empáticas, de aceitação do outro e de si mesmo. Livros sobre meninas que não querem ser princesas, sobre meninos que gostam de flores, sobre crianças com dois pais ou duas mães, sobre o amor entre moças ou entre rapazes… terminam por reconfirmar em nós a sensação de que, como queria Terêncio, nada do que é humano nos é estranho.

Confira então a seguir três títulos do catálogo sobre diversidade sexual e de expressão de gênero

Tal pai, tal filho, de Georgina Martins

Tal pai, tal filho

Um menino decide se tornar bailarino, mas deve antes enfrentar o preconceito do próprio pai valentão, que não considera o balé “coisa de homem”. Como, em meio ao preconceito, fazer valer o seu desejo?

Do jeito que a gente é, de Márcia Leite

Do jeito que a gente é

O adolescente Chico quer assumir para a família que é gay. Beá detesta sua aparência e quer aprender a se aceitar, a ter mais coragem, a enfrentar as críticas da mãe e dos colegas. Juntos, Chico e Beá enfrentarão seus medos a fim de se mostrar por inteiro 

Bom-Crioulo, de Adolfo Caminha

Bom-Crioulo

Escravo foragido, a única opção de Amaro era se tornar marinheiro. Mas em alto-mar ele continua a levar chibatadas. Neste meio hostil, Amaro encontra afeição em Aleixo. Entre castigos e desejos avassaladores, ambos encontram refúgio na pensão de dona Carolina, ex-prostituta que os acolhe.