124 anos da morte de Antônio Conselheiro, o Profeta do Sertão

Por Alexandre Azevedo - 22 set 2021 - 4 min

Antônio Vicente Mendes Maciel nasceu em Quixeramobim, interior do Ceará, provavelmente no ano de 1833 (alguns biógrafos, como Ataliba Nogueira em sua obra Antônio Conselheiro e Canudos (1978), citam o ano de 1828).

A família Maciel tornou-se famigerada por travar duelos mortais com a família Araújo, aterrorizando aquela região do Ceará por muitos anos. Entretanto, essa rivalidade já não existia mais à época de seu pai, o comerciante Vicente Antônio, que deu ao filho condições de estudo, o que muito ajudou Conselheiro em sua vida de asceta. Até mesmo a poesia foi uma de suas paixões: uma parente sua, dona Zefa Maciel, em depoimento ao documentário de Antônio Olavo, Paixão e Guerra na Sertão de Canudos (1993), declarou ter ouvido do próprio vários poemas, como este:

O relógio da saudade / anda batendo nas horas / só que não ama não sente / quando meu bem vai embora. / Quando meu bem me visita / se estou doente e melhoro / repito a mesma doença / quando meu bem vai embora. / Minuto se parece hora / hora se parece dia / dia se parece ano / quando meu bem vai embora.

Jovem ainda, Antônio Vicente herdou do pai a firma comercial, trabalhando incansavelmente para sustentar as três irmãs até que pudessem se casar. Sem o compromisso com elas, Antônio Vicente casou-se, então, com a sua prima Brasilina. Sem conseguir mais levar adiante o seu armazém, Antônio Vicente viu-se obrigado a encarar outros desafios, menos desgastantes que o de manter uma casa comercial. Vivendo de maneira inconstante, mudou-se várias vezes de cidade até chegar em Ipu. Foi lá que se deparou com a sua maior decepção até então: sua mulher, Brasilina, abandonou-o, fugindo com um furriel. Sentindo-se humilhado, desapareceu por um longo período. Segundo Euclides da Cunha (1866-1909), em sua obra-prima Os Sertões (1902), foram exatamente dez anos sem nenhuma notícia dele.

De repente, Antônio Vicente apareceu de maneira apoteótica: macerado e cadavérico, apesar de ainda estar com 32 anos, os cabelos longos como a barba, vestindo um longo hábito azul desbotado. Nos pés, cruas sandálias de couro, sustentadas por um enorme bordão. Aquele velho singular, de pouco mais de trinta anos, como escreveu Euclides da Cunha em sua obra.

Peregrino, tal como um profeta, tinha lá a sua missão: construir igrejas, capelas e açudes, reformar cemitérios. Por onde passava, impressionava o povo rude e triste da região. De Antônio Peregrino (como se autodenominava, conforme o que se pode notar em suas prédicas escritas) passou a Antônio Conselheiro devido aos frequentes conselhos dados àquela gente sertaneja.

Entretanto, além de aconselhá-las, incentivava-as a reagir contra os desmandos dos potentados. Certa vez chegou a ser preso, acusado de ter assassinado a própria mãe. Era uma história fantástica, sem nenhum cabimento: sua mãe, para comprovar o adultério da então nora, convenceu o filho a inventar uma viagem para flagrá-la em adultério. Para isso, ela se vestiu com roupas de homem, deitando-se, sorrateiramente, ao lado da nora que já caía em sono profundo. Antônio Vicente, ao ver a grotesca cena, atirou naquele que dormia ao lado da mulher, sem saber que, na verdade, matara a própria mãe. Depois, atirou na mulher, assassinando-a também. Sem provas contundentes, pois Antônio Conselheiro ficara órfão de mãe aos seis anos de idade, foi libertado para continuar a sua vida de pregador-andejo.

     Vale lembrarmos aqui que Antônio Conselheiro conheceu uma artesã de nome Joana Imaginária, com quem teria tido um filho. Porém, ambos não seguiram os seus passos. Após anos de peregrinação, Antônio Conselheiro finalmente chegou à fazenda Canudos, habitada por gente indolente e dada ao alcoolismo. Assim, às margens do rio Vaza-Barris, construiu a sua cidade, batizando-a com o nome de Belo Monte. Reformada a pequena igreja que lá havia, resolveu construir uma outra, ainda maior. Para terminá-la, encomendou em Juazeiro uma certa quantidade de madeira, pagando pela mercadoria antecipadamente. Contudo, o juiz da cidade, doutor Arlindo Leôni, famoso desafeto de Conselheiro, proibiu a entrega do material. Começou aí, então, a Guerra de Canudos…


Alexandre Azevedo

Alexandre Azevedo é professor de literatura e escritor. Autor de mais de 120 obras. Já publicou, entre outros, Que azar, Godofredo! (Atual), O vendedor de queijos e outra crônicas (Atual), Três casamentos (Atual), Poeminhas fenomenais (Atual), O menino que contava estrelas (Atual), A lua e a bola (Formato) e A última flor de abril (Saraiva).

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